307 - O Começo
Vistos de longe eram um caso digno de estudo. Vieram sem nada para o casarão. Ela era alta, bonita, bem-feita. Herdara aquela casa havia pouco tempo. Nas partilhas foi o que lhe coube. O recheio rico foi para outro herdeiro e o corte afectivo com a família devia-o à escolha do homem que viera com ela. Franzino, meão, macilento, envelhecido, notoriamente apaixonado. Chegaram de mãos dadas e olhavam-se permanentemente. O resto do mundo era-lhes completamente indiferente. Ele dava aulas de Física num Colégio de Jesuítas e ela não fazia nada, não sabia fazer, rigorosamente, nada. Encantaram-se quando ele começou a dar-lhe explicações em casa e o resto foi o que era previsível: os pais não queriam, os irmãos quiseram bater-lhe, as amigas deixaram de aparecer. Um dia veio a cama de casal, no outro um fogão velho e meia dúzia de tachos. A comida era ele quem fazia. Dizia-lhe para ir adiantando as coisas como descascar batatas, lavar legumes, repor os víveres fazendo as compras. Corrigia as falhas ao chegar e, cheio de paciência, foi ensinando o que podia ser ensinado. Tratar da casa aprende-se mais facilmente que a cozinhar mas tudo foi, paulatinamente, entrando no lugar e dando vez a um casal que teria tudo de comum desde que os não vissem juntos. O mundo passou a ser visto pelos olhos do professor. Ele mostrou tudo o que ela achava já ter visto. A luz a jorro entrando pelos janelões da sala, os azulejos antigos no átrio, as vozes que se poderiam escutar vivendo aquele espaço, o começo da biblioteca com livros que ele trazia. Um dia ela, empolgada, disse-lhe que estava grávida. - Vamos, então, aprender juntos sobre meninos. E ela reviu-se mentalmente. Estava quase uma dona de casa perfeita. A ser mãe ele ensinaria.