MONÓLOGO DE UMA GOLPISTA

"Acordei após o meio dia e tudo que passava em minha cabeça era voltar a dormir de novo, pra poder sonhar… Nos sonhos, ainda estamos juntos… Walter e eu. E ele parece mais novo e feliz. Nós fomos felizes, eu acho. Éramos um casal do tipo festeiro… Walter Neiva, “o grande empresário milionário”. E eu… a esposa golpista com 20 anos de idade de diferença. Mas hoje, vejo que a imagem da golpista era mesmo a verdadeira farsa. E que meu amor era verdadeiro, quase puro… Apesar de o mundo inteiro não ter a menor FÉ no que digo.

Uma merda de um dia inteiro pela frente… e muito dinheiro no bolso. E essa casa… essa casa ENORME. Eu me sinto um verme aqui dentro. Terrivelmente sozinha… cercada de empregados (que me odeiam)… Abandonada. Walter estaria ali, na poltrona. Em frente à TV… assistindo leilões de antiguidades e mexendo com o indicador da mão esquerda o gelo do uísque. Enquanto a outra mão apertaria o telefone celular. Ele estava sempre berrando com alguém e sempre ganhando dinheiro… Ele era o máximo. Quando eu passava por ele, vestindo meu hobby azul, toda descabelada, descalça… ele tapava o telefone com a mão e me mandava um beijo seguido de um sorriso malicioso, mas meio infantil. Eu não sabia… EU NÃO SABIA… que aquele sorriso era tudo pra mim. Era o que eu precisava pra ter um dia bom… Não posso mentir. Não posso dizer que não penso em acabar com essa porcaria. Não farei falta a ninguém… Mas, dizem que com o passar dos dias as coisas vão melhorando… os acontecimentos começam a fazer sentido.

Ora, mas NÃO É verdade! Eu me sinto a mulher mais miserável do planeta. A “mulher ideal” num planeta nem um pouco ideal… Nada que me é ofertado me agrada. A comida não me agrada, estou emagrecendo demais... a Srta. Carmem é minha governanta e única pessoa no mundo que posso chamar de amiga, quase mãe… até mesmo pela diferença de idade. Ela anda muito preocupada comigo nos últimos dias. Quer me levar ao psiquiatra. Diz que estou deprimida… Mas eu fico aborrecida, sem paciência… um pouco agressiva, quando ela me vem com essa conversa. Quero dizer: É óbvio que estou deprimida! Faz todo sentido! Walter MORREU! Meu amor morreu… eu sou viúva e não estou nem na metade da vida!!! Perdi minha melhor companhia e talvez ele nem soubesse disso… A pessoa que me entendia, me aceitava… nos menores detalhes. Meu parceiro de diversão e de lágrimas… Meu lado direito da cama. Meu DEUS! Eu só tenho 29 anos! Minha vida perdeu o sentido aos 29 anos! Não terei filhos… Estou sozinha num império que parecia ser a coisa mais importante pra mim e agora não tem a menor graça sem ele. Todo esse dinheiro… É claro que penso em acabar tudo (talvez Carmem tenha razão). Acho que é a opinião de Walter que me impede. Ele dizia que suicídio é uma forma covarde de lidar com as provações da vida. Uma vez ele disse que ia terminar comigo. Estávamos brigando muito. Na verdade: EU estava brigando com ele o tempo inteiro. Eu tinha isso… essa “raiva” dele. Essa implicância… que eu não conseguia explicar. Ele chegou em casa e eu comecei a bradar dizendo que ele passava tempo demais na empresa. E que não fazia o menor esforço pra ficar mais tempo comigo. Era apenas um motivo qualquer que eu tinha inventado pra começar uma briga. Estávamos brigando há dias, por todos os motivos. Fosse uma toalha esquecida em cima da cama, fosse uma simulação de ciúme diante de algum período longo ao telefone. Eu o chamava de gordo, desleixado, dizia que ele não tinha amor pela vida… que estava indo ao fundo do poço e me levando junto com ele. Eu amaldiçoava minha vida ao lado dele o tempo inteiro. Jogava em sua cara o quanto ele tornava minha existência miserável. Então ele entrou pela sala… com a gravata pendurada no ombro e os botões da camisa meio abertos. Parecia que estava extremamente cansado e que tinha bebido. Walter apenas me olhou de cima abaixo e havia nele uma fadiga extrema estampada no rosto … uma fadiga de mim.

Parecia um olhar de desprezo, mas não era. Era um terrível e total descontentamento com minha pessoa e com tudo que ele esperava de mim e de nós. E então ele falou que achava melhor nos separarmos. Sem mesmo pôr sua maleta no chão, sem se sentar… sem abrir o uísque ou pedir alguma coisa pra comer. Simplesmente disse que era melhor nos separarmos e que ele passaria uns dias num hotel enquanto os advogados resolveriam tudo. Afirmou que seria justo comigo e me daria metade de tudo que tinha (afinal, não era isso que eu queria?!). Simples assim. Naquele momento eu não pude ver amor no seu rosto, em sua voz… Foi terrível. Posso afirmar agora que foi naquele momento que descobri que o amava. Fiz uma CENA! Primeiro tentei rir forçosamente, tentando parecer arrogante. Mas ele continuava parado, sério. Então me atirei no chão e comecei a chorar e gritar como a perfeita maluca (que sou). Puxava meus próprios cabelos enquanto balançava a cabeça e dizia “Não! Não! Não!”. Os empregados vieram até a sala e somente Carmem teve coragem de interferir e me tirar do chão. Ela teve que me esbofetear… Foi ridículo. Walter não tinha mais aquele olhar sombrio e decidido. Seus olhos estavam molhados e suas duas mãos estendidas pra mim como se quisesse ter o poder de, do outro lado da sala... me levantar e me pôr nos seus braços. Enfim… o chilique acabou e me vi sentada no sofá bebendo água com açúcar e dizendo a mim mesma que tudo aquilo era apenas um teatro muito bem-feito pra segurar a minha galinha dos ovos de ouro. Repeti essa falsa verdade até o dia em que entrei em casa e me dei conta de que ele não estaria mais lá. Nunca mais. Hoje estamos aqui sentadas… no velho escritório enorme de sempre (e eu não mudei nada, não tirei nenhuma caneta do lugar). Carmem e eu… sempre ELA e eu. Ela é uma senhora adorável e graças a Deus eu a tenho comigo. Sua amizade, hoje, é minha MAIOR riqueza. E tenho certeza que de onde quer que Walter possa me ver… Ele está orgulhoso de mim. Orgulhoso de me ver valorizar o que realmente importa. Ah… então… É isso! Vida vai… eu vou continuar.