Da janela do quarto, com uma xícara de café na mão, observava o casal que brincava na chuva. Estavam encapuzados e ancapotados, mas a sombrinha acabou sendo carregada pelo vento, e ao contrário do que ele faria, afinal era ranzinza em excesso, os dois se abraçaram e foram brincando de correr, como se fossem duas crianças, se divertindo. Entre os rodopios, os abraços e beijos faziam o arremate da costura de um amor que era leve, e não tinha o peso dos anos sobrecarregando os ombros. Eram risadas livres da pretensão de receber algo em troca, e por isso era recíproco. Sentiu uma espécie de angústia, um nó na garganta, um choro contido. Lembrou-se de suas aventuras, quando ainda se deixava levar pelo fervor da juventude e da paixão. Acendeu o cigarro, ligou o computador e digitou: como matar um amor? Fitou na primeira opção, mas antes de abrir, fechou a janela, a alegria do casal era uma tortura em meio aos devaneios que o acompanhavam, depois que a sombra de Ellen virou um quadro, escondido atrás do guarda-roupa.Tomou um gole de café, pôs a xícara sobre a mesa e segurou forte o cabelo num movimento de puxar, como quem quisesse arrancá-lo à força. Escreveu na mão o nome de Ellen apertando a caneta sobre a grafia. Queria ter dito a ela que os seus defeitos eram suas maiores qualidades, porque até nisso ela era perfeita. As diferenças os uniam. O ego não permitiria que ele, um dos homens mais cortejados da cidade, se humilhasse diante de qualquer mulher. Tentou voltar ao trabalho, mas à sua mente, vinham imagens do que viveram, do gosto da boca, do toque sedoso, da risada engraçada que imitando um cacarejo. Mas não podia perder a liberdade. Dividir o mesmo teto? Jamais! Não queria ser prisioneiro e não cabia em contos de fadas. Que pena, mal sabia ele, que cárcere maior não há que prender-se a si. Olhando para o celular, uma mensagem! Não podia perder a oportunidade: - Quero te ver! E enquanto o corpo se embaraçava num encontro, a alma buscava Ellen, que virou apelido de Suzen.