Depois do Temporal

Sentaram-se à mesa. Era hora do jantar.

Não dirigiram palavras um ao outro, apenas trocaram olhares.

O silêncio era quase tangível quando o mordomo chegou, trazendo as travessas. Tudo parecia impecável.

A comida foi servida, e a bebida, também.

O vinho parecia saboroso. Era um Barbaresco.

Ela o provou, sorvendo um gole lentamente.

Não conseguiu lembrar-se da última vez em que provara um igual. Andava assim, esquecida...

Curiosamente, o que deveria esquecer, não conseguia.

Pelo contrário, o tal pensamento a atormentava, dia e noite, incessante, enlouquecedor.

Do lado de fora, uma tempestade começou a cair, impiedosa.

Do lado de dentro, outra se formava, no seu interior.

Os talheres se moviam como manda a etiqueta, afinal,

acima de tudo, vinha a educação.

Guardanapos dobrados nos joelhos, eventualmente limpariam os lábios, mas não serviriam para limpar o coração.

O jantar chegou ao fim e veio logo a sobremesa.

Taças com "Coupe Ardéchoise".

O pensamento divagava.

O que diria, afinal?

Passaram para o salão principal.

A tempestade castigava a cidade, mas sentimentos contidos dentro do peito a castigavam tanto quanto.

Ao lado da lareira, enquanto a lenha estala, ela se

acomoda nas grandes almofadas coloridas.

Trocam novos olhares.

Palavras são desnecessárias.

Mágoas, ressentimentos, coisas do passado, tudo vem à tona e a vontade de resolver a situação fala mais alto.

Em um ímpeto, levantando-se, se aproxima dele e faz um afago em seus cabelos.

_ O que aconteceu conosco?

Não há resposta. Apenas o esboço de um sorriso.

_ Eu não aguento mais essa situação...

Ele a puxa para perto e a beija. Ela não oferece resistência. Coração acelerado, acredita que enfim pode haver uma solução, e quem sabe, naquela noite de temporal, consigam acertar as coisas?

_ Você tem tudo. Não precisa de nada. - ele sussurra.

_ Preciso sim, preciso de você.

_ Você não precisa de mim...

O celular toca. Ele atende e seu semblante muda. Uma frase é dita, sem convicção.

_ Está chovendo muito, não sei se poderei ir.

Ela não pensa duas vezes. Pega o telefone das mãos dele.

_ Ele não vai sair, não esta noite...

Jogando o celular para longe, o envolve pelo pescoço e como nunca havia feito antes, o beija de forma diferente. Não parece a mesma mulher. Ele a olha intrigado. Parece não entender.

A esposa sempre fora comedida, até nos momentos mais íntimos.

Um raio e as luzes se apagam. Na penumbra, os dois se abraçam.

Protegida pelos braços dele, trêmula, ela se abriga.

_ Não quero te perder.

_ Não vai. Olha, eu queria te explicar...

_ Não precisa...shh...de hoje em diante, vai ser tudo diferente...podemos começar de novo.

_ É isso mesmo que você quer?

_ É tudo o que eu quero.

Um novo beijo sela o destino dos dois.

A noite foi longa.

Ao amanhecer, as malas já estavam prontas e um jatinho à espera do casal. O destino: uma ilha do Pacífico. Teriam uma segunda lua de mel. Depois da tempestade, veio mesmo a bonança.

Um arco-íris ornava o céu.

Um arco-íris de esperança.