Em cima do muro

PARTE 1 - QUARTO DE MOTEL

Uma mulher sentada na beira da cama acende um cigarro. Ela está nua e tem os cabelos soltos cobrindo suas costas. Não se vê o seu rosto inicialmente. Se ouve apenas o barulho do chuveiro ligado vindo do banheiro. Na cama um homem jovem, moreno, um pouco acima do peso, está deitado de barriga pra cima.

- Acho que as pessoas superestimam o sexo. Eu poderia passar anos sem transar e sem sentir falta. – A mulher fala.

- Nesse ponto somos bem diferentes, Gabi.

- É por que você é homem. Homens pensam com o pau.

- Deve ser.

- Não vai argumentar?

- E adianta?

Gabi da um sorriso e um trago profundo no cigarro.

- Nunca conheci um homem que fosse diferente – Ela continua, e dessa vez o seu sorriso transparece ainda mais deboche.

Zé concorda com a cabeça e estende a mão em direção a Gabi.

- Me dá um trago.

- Espere. Deixa eu fumar mais um pouco.

Ela dá dois tragos longos no cigarro e entrega pra Zé. Ele pega o cigarro nos dedos e puxa profundamente.

- Eu estava precisando disso.

Gabi se vira diretamente pra Zé e fala.

- Pensei que você tinha parado de fumar.

- É meio difícil não fumar depois do sexo.

- Você devia assumir a derrota logo, Zé.

- É. Andando com você fica difícil largar essa merda.

- O que tem de mau no cigarro?

- Câncer, falta de fôlego e menos dinheiro no bolso.

- Tudo é uma troca, meu bem. O Prazer nunca vem de graça

Os dois riem. E nesse momento uma segunda mulher sai do banheiro.

- Do que vocês estão rindo? – Ela pergunta.

- É besteira. Zé voltou a fumar. – Gabi responde segurando um pouco da risada.

- Estou vendo. – Responde a mulher enrolada na toalha

Então Zé estica a mão com o cigarro em direção para ela e pergunta.

- Você quer, Lídia?

Lídia estende a mão e pega a bituca que estava quase no fim.

- É Hollywood? – Pergunta.

- Não. É Gift. – Ele responde.

Lídia dá um trago e se engasga.

- Misericórdia. Não sei como vocês conseguem fumar essa porcaria.

- É o que o dinheiro consegue comprar – Gabi responde.

- E o câncer é o mesmo do Malboro.

- Mas pelo menos eu não morro engasgada com o Malboro – Lídia replica.

Os três caem na risada.

- A banheira já tá cheia? – Zé pergunta.

Gabi se levanta e vai conferir. Coloca o pé dentro da banheira, entra e se acomoda dentro d’agua.

- Tá uma maravilha aqui.

Lídia começa a enxugar os cabelos e os prende num coque e pergunta.

- Cabem os três aí dentro? –

- Acho que sim.

Lídia apaga o cigarro num cinzeiro e entra na banheira também. Zé fica olhando as duas, sentado na cama.

- Você conseguiria viver sem sexo, Lídia? – Ele pergunta.

- Deus me livre. Pra que?

- Acho que você é homem então.

- Como assim? – Lídia pergunta confusa.

- Ele está chateadinho por que eu disse que os homens pensam com o pau. – Gabi responde de dentro da banheira.

- Não entendi.

Zé se senta na cama e estica os braços, se espreguiçando.

- É que Gabi disse que poderia viver muito bem sem transar.

- Cada doido com sua mania né? – Lídia conclui.

Zé finalmente se levanta da cama e vai até a banheira também. Havia pouco espaço, mas ele se enfia no meio das duas, de modo que a água quase transborda. Gabi e Lídia começam a se beijar e Zé fica olhando de perto, sem interferir. Depois de um tempo as duas param e Lídia olha pra Zé e pergunta.

- Você está pensando em que?

- Se eu acreditasse em Deus. Eu diria que ele tem sido muito bom comigo. É nisso que eu estou pensando. Mês passado estava pensando em morrer e agora estou aqui.

- Como assim?

- Acabei um relacionamento de quase dois anos. Descobri que fui feito de otário e perdi todo esse tempo com quem não valia o que o gato enterra. Dai passei uns dias bem ruins.

- Foi tão pesado a ponto de pensar em morte?

- Acho que todo fim de relacionamento tem um pouco de morte.

Gabi da uma risadinha debochada e intervém.

- Você é drama puro. Uma gaia é só uma gaia.

Parecendo contrariado, Zé continua.

- Pois bem. Às vezes me espanto com as voltas que o mundo dá.

- Você também é muito fria, Gabi. Vocês são dois extremos mesmo. Não sei como são amigos.

- Eu gosto de ter com quem implicar de vez em quando – Gabi fala, passando levemente a mão no rosto de Zé.

Zé afasta o rosto e sorri provocativamente.

- E eu devo ser um pouco masoquista por gostar de estar com ela.

Lídia cai na risada. E fica olhando pros dois, como se aquela situação fosse algo novo em sua vida.

- E onde você fica nisso tudo? – Gabi pergunta, depois de alguns segundos de silêncio.

- Em cima do muro... Bem no meio, eu acho. Parece ser um bom lugar pra se estar. – Lídia responde, mordendo os lábios.

Gabi se posiciona bem por trás de Lídia e a abraça, ficando com as mãos sobre os seus seios. Lídia apenas sorri, fecha os olhos e reclina a cabeça pra trás, enquanto Zé se aproxima pra beijá-la, sem pressa alguma.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 23/10/2020
Código do texto: T7094353
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