301 - O Baile
Só mais esta música, pediu. Levantaram-se os dois e, enquanto ela já sacudia o corpo alisando-se da cintura às coxas, ele bebeu mais um gole do Napoleon antes de tomar posição para dançar. Acertavam bem o compasso, a melodia atravessava-os empolgando-os de tal modo que tudo neles era movimento e ritmo. Estavam no meio de uma roda de pares que abriam espaço para que fosse tudo perfeito. De soslaio viu-os bater palmas para apoiar e reforçar a alegria trepidante dos sons de um famoso conjunto musical ao tempo muito em voga. Regressaram à sua mesa sob aplausos e cada um se viu no olhar do outro. Depois ficaram de mãos dadas a retomar o fôlego, a enxugar, discretamente, o suor do pescoço, a viver a pausa para a bebida dos músicos. Quando saíram, ela sentiu o calcanhar dorido, os sapatos novos a morder os dedos, o calor intenso a expandir-se dos seios para o rosto. Ele abriu o carro, desceu os vidros, iniciou a marcha. Depois correram o que o veículo permitia, como se fosse outra dança. Ele acendia-se entusiasmado e ela gritava de excitação e medo. A seguir é que caiu, brusca, uma noite densa que durou até acordar no Hospital com algumas escoriações no rosto inchado e um braço com gesso. Quando perguntou por ele leu a resposta no olhar pesaroso da enfermeira. Ficava mórbida de preto e sem pintura. A bolha do calcanhar infectou e o andar difícil ainda a diminuía mais. Abriram caminho para ela chegar à urna onde ele parecia estar a dormir. – Só mais uma, pediu sentindo, quentes, correrem grossas lágrimas sob o véu de tule.