Previsão do Tempo

Olhei pra a cama onde Amanda dormia. Estava escuro, mas dava pra ver os seios dela subindo e descendo com a respiração. O perfume dela. O cheiro de incenso. O calor. Eu sentia tudo ao mesmo tempo. Tudo misturado ao meu cansaço. Eu estava satisfeito, e achei que era um cara de sorte por poder viver algo como aquilo. Não fazia ideia se ia durar. Mas mesmo assim, era bom.

Minhas costas ardiam levemente, pelo estrago que as unhas dela haviam deixado e pelo suor que ela tirara de mim. Fui até a cozinha, botei uma chaleira no fogo. Café sempre era uma boa ideia no meio de uma madrugada como aquela, apesar do calor.

Tomei um banho enquanto a água e esquentava, e quando voltei à cozinha já estava tudo fervendo. Passei o café e enchi uma caneca. Adocei e deixei em cima da mesa da sala para esfriar um pouco.

A casa estava bem abafada e o ar estagnado e carregado de umidade. A previsão do tempo tinha anunciado chuva pro final de semana inteiro, mas por enquanto o céu tinha ficado só na promessa.

As janelas estavam abertas, mas não era suficiente para mudar alguma coisa do lado de dentro.

O verão era sempre assim, e eu já estava acostumado, apesar do incômodo.

Amanda apareceu na sala esfregando os olhos, completamente nua.

- Você fez café? – Perguntou.

- Fiz sim.

- Tem ainda?

- Tem. Coloquei na garrafa térmica.

- Você é um amor. – Ela disse, antes de caminhar para o banheiro.

Peguei a minha caneca na mesa e tomei um gole. Eu tinha adoçado demais. Mas tomei assim mesmo.

Amanda lavou o rosto e voltou para a sala.

- Que horas são?

- 01:30. – Respondi.

- Caralho. Perdi a noção do tempo. Eu sempre perco a hora com você

- Foi mal.

- Isso foi um elogio.

Fiquei sem graça e tomei mais um gole do café pra disfarçar.

- Dormi muito tempo? – Ela perguntou.

- Não. Só uns vinte minutos.

- Minha mãe vai me matar. Mas não vou pra casa agora. Minha rua é péssima de madrugada.

- Você se esqueceu de avisar?

- Foi. E ela não gosta quando durmo fora. Mas eu não sou nenhuma criança, né? Amanhã vou ouvir, mas tudo bem.

- Imagino. Mas manda uma mensagem.

- Sim. Daqui a pouco eu mando.

Voltei a me concentrar no café enquanto Amanda mexia nas coisas que eu tinha deixado espalhadas sobre a mesa.

- Deve ser maravilhoso morar sozinho. – Falou por fim.

- Tem suas vantagens.

- E quais as desvantagens?

- Às vezes é solitário demais.

- E isso é ruim?

- É complicado. Às vezes é bom ter alguém pra conversar. Pra dividir o espaço.

- Pra mim parece o paraíso.

- Quando você tiver seu canto nós conversamos sobre isso.

- Não vejo a hora, meu bem. Eu acho que nunca conseguiria morar com alguém que não fosse família. Sei lá. Já é difícil o suficiente morar com meus pais. Não me imagino dividindo uma casa com ninguém. Eu sou muito chata. Tenho meu jeito. Minha bagunça e minha organização. Acho que perderia a paciência fácil com outra pessoa mexendo nas minhas coisas.

- É. Eu gosto de ter meus horários. Gosto de ter tudo do meu jeito. E me acostumei a viver sem ter ninguém reclamando das coisas fora de lugar.

- Realmente. Você é muito desorganizado. – Ela falou sorrindo e foi até a cozinha.

Ouvi o barulho dela mexendo no meio dos pratos e quando me dei conta, Amanda voltou com uma caneca fumaçando com café.

Ela tomou um gole e encostou a caneca na janela.

- Aqui faz muito calor sempre?

- Não. Em geral é bem ventilado.

- Tá foda. Se eu pudesse, passava o dia pelada, tomando Coca-Cola com gelo, e com um ventilador ligado em cima de mim.

Eu não respondi. Só fiquei olhando enquanto ela se abanava com as mãos, encostada na parede. Ela percebeu e perguntou, sem disfarçar a timidez.

- O que foi, menino?

Continuei calado e me levantei. Fui em sua direção e ela ficou me olhando, cada vez mais curiosa.

Encostei o meu corpo no dela e respirei fundo junto ao seu pescoço. Como se daquele jeito eu pudesse imprimir o perfume dela na minha memória e nunca mais esquecer.

Amanda me abraçou e cravou levemente as unhas nas minhas costas.

Eu não estava vendo, mas sabia que ela estava sorrindo.

Ela não falou nada, e eu quis sinceramente saber o que ela estava pensando.

Nos beijamos e eu pude sentir o gosto do café na sua língua.

Ela era quente. Como se estivesse levemente febril. Lembro que essa foi a primeira impressão que eu tive dela.

Algo que com a convivência, passei a sentir falta.

Ela era fogo, sempre, e eu fazia questão de soprar as brasas.

Incandescentes, nós queimávamos juntos.

O que era o verão de Recife perto de nós dois?

Tanto fazia a previsão do tempo para amanhã e o céu carregado de nuvens que ameaçava desabar.

Enquanto ela estivesse comigo,

Fazia sol dentro de mim.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 15/10/2020
Reeditado em 15/10/2020
Código do texto: T7088034
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