292 - As histórias do Avô
Todas as histórias que trago são repetidas e já as contei algumas vezes. Contar histórias é dizer de nós mesmos em diversos momentos da vida, disse aos netos reunidos à volta da lareira, naquela noite fria. – Mas conta, conta mesmo assim. As que eu sabia esqueci, disse o mais velho, adolescente com buço e acne. – Escolhe uma qualquer das mágicas, disse o garotinho que ia esse ano para a Escola. E o avô, tirou as mãos dos bolsos e começou. – Era uma vez uma mulher pobre que se apaixonou pelo patrão. Poderia ser princesa mas ainda não era. Ainda lavava à noite alguma roupa para vestir ao outro dia, ainda, andava muito a pé por não ter dinheiro para o transporte, ainda era ela que fazia tudo em casa antes de sair. Assim, desprotegida e sem recursos, a beleza que tinha andava recolhida e ninguém a via, muito menos o patrão que vinha para olhar tudo sem ver nada por absoluta falta de tempo. Há gente assim, sem tempo para nada, sem usar os sentidos, sem perceber que o que procuram está diante dos seus olhos. – E depois, avô? – Depois, me dirão vocês. Que achas Manuel? Será que uma moça tão pobre pode ficar princesa? E tu, Joaquim, tu que já és crescido, como continuarias a história? - Por mim ela encontrava dinheiro num buraco da sua casa, comprava roupa nova, arranjava-se e tentava a sorte junto do patrão. E Manuel, segurando os dedos de uma mão, disse que talvez fosse bom chamar a Fada Madrinha. Do outro lado da cozinha a mãe que escutava tudo sem interferir, disse: - Por mim deixava de olhar para o patrão, mudava de emprego, esquecia tudo e recomeçava noutro lugar distante a procurar companhia. - O pior, o mais grave, o que torna tudo mais difícil é a paixão. Quem se apaixona não pode fazer nada, só viver, como puder, esse castigo empolgante. Por certo que o patrão nunca a verá. Se ela conseguir que ele a veja, depois de casar será princesa.