Para Bento
Rio de Janeiro, hoje mesmo
Querido e doce Bento,
A saudade que chegou como sereno fino e constante e e aboletou-se em meu peito nesses últimos dias leva-me agora a escrever essas linhas e buscar resquício de ti e de tua presença, agora fugidia. Sinto perder-te como água entre os dedos, o que é recente, mas já me devasta.
A janela outrora aberta sobre teu quarto claro, quente e cheio de ti, agora fechada, guarda em segredo ora do sol preguiçoso e vívido, ora da lágrimas pesadas e claras da chuva que chega sem convite, a tua ausência e a minha espera.
Você já sai com frequência, visita cafés, já pode beber com alguns amigos e afetos e caminhar nos parques, sem hora marcada para voltar para casa. A vida começa vagarosamente a abrir as portas da normalidade, embora nova e cheia de não me toques ainda necessários.
Agora, você, que há alguns meses me levava de um canto a outro junto ao corpo, livre, sem rumo e por adaptar-se ao isolamento, é quem guardou-me silencioso e distante. Longe das mãos que me perpassavam sem preocupação, ávidas, intensas e despudoradas.
Você não é excessivamente ciumento, Bento nunca foi, isso é intriga. Eu sou. E se não te arrasto, prendo e afogo, sinto-me nublar e escurecer como tarde de inverno, caída sem remédio e sem socorro. Se meus traços atrevidos e dissimulados não te prendem, sou eu a me corroer em um canto qualquer aguardando que voltes depressa. Acostumei-me a ti e a teus olhos devoradores.
Já posso ouvir o girar da chaves na porta. Ainda não é permitido a você demorar e ausentar-se por tanto tempo. Chegaste? Sinto a tua respiração e o calor ensolarado de cada um dos teus passos próximos. Não demore, abra a janela. Do criado mudo ou da estante costumeira, da mesma forma me abro aguardando teus braços solícitos para neles tombar sem fim, sem pressa e sem volta.
Com amor,
Tuas páginas pálidas, repetidas e saudosas.