289 - José
No tempo frio agasalhavam-se um ao outro. O cão conhecia-lhe a cadência dos passos e poderia ir mais rápido uns metros mas voltava até ser seguro pela coleira larga de onde pendia um nome: José. Era assim que lhe chamava o dono quando decidiram ficar juntos naquele verão em que o abandonaram para ir uns dias de férias ao Algarve. – Ele governa-se, disseram para tranquilizar a consciência mas o certo é que José, que se chamava Piloto, andava faminto e sedento quando o novo companheiro lhe valeu. Passaram a ir para todo o lado juntos e entendiam-se. Depois, digo eu, ao animal tanto lhe dava ser Piloto como José. O novo dono queria um amigo e isso era ser mais do que cão, daí o nome de gente que o bicho ostentava na coleira de cabedal genuíno, escrito sobre uma plaquinha de alumínio. Ele ficava deitado a seus pés se ele jogava à sueca no Parque, esperava à porta do mercado, aguardava, paciente, que o Gomes acabasse a cerveja e os tremoços. Andou sempre solto. Ia porque queria ir, ficava porque amava o novo companheiro. Um dia, porém, alguém que José conhecia, o chamou Piloto, lhe fez festas, deixou-se cheirar enquanto gritava para a mãe que saía da missa. – Encontrei o Piloto, encontrei o Piloto! Foi, na verdade, um momento muito tenso para o novo dono, para o garoto que aceitou ficar sem ele, para o cão. Estavam num impasse, a mãe a dizer que deixasse o cão, a criança a segurá-lo pela coleira, o homem a começar a sentir chegarem-lhe aos olhos as lágrimas que faziam tremer a paisagem. E o inesperado aconteceu: logo que o menino o soltou, o cão lambeu-lhe a mão em despedida e correu para o novo dono que o esperava.