DEUS É BOM (5 vidas -1 parte IV)

Deus é bom o tempo todo, bença. O tempo todo ele é bom. Aprendi isso naquele filme lá. Pode tá o mundo caindo, as coisa faltando, eu paro e lembro: Deus é bom. Pego minha Harpa e canto e aí o Senhor aquesce meu coração e quando menos percebo, tô dando glória e passando pela prova. Deus é bom, irmão. É bom demais, nós é que não presta, que fica se prendendo nas coisa aqui da vida e acha que não tem solução os pobrema que vem. Se tiver Jesus tem tudo. E se não tiver, aí já viu.

Hoje eu tô bem, varão. Tô bem mió: parei de fumar, parei de beber, tô tentando ser um home melhor pra minha esposa, tenho conseguido ser ajudador dela que tá com aquele espírito de depressão que não larga, tô ajudando meu menino que vai ser pai. E tô tocando a vida. A lida, porque a vida quem toca é Deus, né? O resto é só o enfado e canseira que tá nas Escrituras. É fogo, bença! Muito joelho no chão e vamo que vamo!

Mas vou te contar, rapaz… só Deus mesmo na causa. Porque depois do ocorrido, de ter que passar o que nós passemo, tive que ter muita corage de não cometer um desmantelo da minha vida. Meu amigo, mas pense, se fosse com filha dos outros já me dava um revestres no juízo, imagina quando é filha nossa! Varão, não tem dor maior no mundo do que você chegar e ver aquele mundo de gente e a viatura lá parada e o pessoal do IML recolhendo o corpo de minha filha. Posso dizer que ali eu cheguei no fundo do poço. A minha esposa tava desmaiada sendo socorrida pelas enfermeira e o meu menino lá parado, calado. Quem viu ficou inté admirado com a postura dele, eu mesmo fiquei. Ali sério, dando informação pros policial, vendo a mãe também. Só consigo acreditar que era Jesus dando força pra ele, porque em momento algum vi ele chorando nem nada. Mas, meu amigo…

Custei a acreditar. Como assim balearam minha menina? Não. Né possível não, tinha que ser conversa. Doninha já ia ganhar neném, rapaz! Mas quando o home lá da poliça civil abriu o zíper tive que acreditar. A tragédia, sabe né, ela faz tudo menos passar de fininho, e lá tava ela. É muito fei ver gente morta de olho aberto. Muito triste, tendeu? Porque é você avistar na sua cara que a gente, isso aqui, não difere nada do carne do açougue ou de um bicho qualquer que morre. O sangue é vermelho do mesmo jeito, a carne é fria do mesmo jeito e passando um tempo apodrece igual. Isso ferra com a gente. Tive que compreender que aquilo não era mais minha filha, era o corpo da minha filha. O corpo… só isso.

Mesmo assim aqueles olhos mexeu muito comigo… Não adianta explicar. Só peguei minha mão e fechei. E foi sentindo pele fria e dura que eu vi que...

Tende misericórdia, Meu Pai!

De verdade, varão. Eu não orei pela morte de Donda. Sabe, eu queria que ele aceitasse Jesus, queria que fosse salvo, porque o Inferno dói demais, home! Se aquela dor que eu senti doeu, magina tu tá longe de Jesus pra sempre. Tem um professor lá no prédio onde trabalho, Tiago, que eu comentei com ele sobre o que eu acho do inferno, aí ele falou de um livro antigo que diz que na porta do inferno tá escrito assim pra quem quiser ler: "Se entrou aqui, perca a esperança porque você tá lascado!" E é verdade mesmo. Diz também que lá não é fogo que nem o pessoal diz não, é gelo. O infeliz chora e as lágrima congela. E eu entendo porque o frio é falta de vida. E a Bíblia diz que os anjos fazem festa quando um pecador se arrepende… era isso que eu queria.

E nem na hora eu pensei em vingança nenhuma. Eu tava tão, como posso dizer, anestesiado que tudo o que eu pensava era naqueles olhos sem vida de Doninha.

Mas Deus fez justiça. A justiça é Dele, não minha. E se foi da vontade Dele que Donda morresse, fazer o que. Quem com ferro fere, né? Xande me contou que foram 17 facadas, home. 17! Ele comemorou. Eu… eu só observei. Me ajoelhei e pedi pra não me tornar uma pessoa vingativa. Tem que vigiar pro inimigo não tentar nós.

Onde eu acho que minha filha tá? Rapaz… ela não servia a Deus. Vivia no mundo da prostituição. Fazia as coisa lá com Cocada. Se envolveu com gente errada... precisa dizer alguma coisa? É menos doloroso pensar que ela tá no cemitério de Beberibe, na gaveta. Me desculpa, mas não consigo te responder claramente e nem tenho coragem. Ela era uma jovem. Uma criança. Eu também fiz minhas coisa errada na idade dela. E mesmo na idade adulta. Eu batia na minha esposa, rapaz! Eu devia tá preso! Porque hoje eu admito, se eu tivesse sido alguém mais presente, mais exemplar, tivesse feito as coisa direito, talvez ela taria aqui.

Mas eu fui deixando. Fui deixando. Aí aquele outro abençoado apareceu. Fez feira pra ajudar nós. Fazia churrasco. Comprava as coisa pra ela quando precisava e perguntava se precisava de algo. E a gente achava que a vida errada dele era com ele e Deus. Que não ia afetar a gente. Ele até dizia que só tava juntando dinheiro pra construir umas casinha pra alugar ali no Córrego do Euclides e viver só dos aluguel e sair dessa vida. Ele dizia que não queria que o filho fosse filho de bandido. A gente, sei lá…

Achava que isso não era se envolver. E é verdade, bença, nós nunca mexeu com coisa errada. Mas nós passava aperto e Cocada dava dinheiro pra nós. E Doninha parecia feliz. Eu sei que ela engravidou de propósito. Ela queria que Cocada fosse só dela, por isso embuchou. E tem também que ele foi o primeiro namorado dela, o primeiro homem da vida dela. Uma jovem. Talvez desencantasse com o tempo, partisse pra outra. Nessa idade a gente muda tanto. Talvez até se convertesse.

Eu só me sinto mal por não ter sido alguém melhor. Por não ter aberto meu olho. Por ter aceitado dinheiro sujo e ver minha filha de 15 anos engravidar e achar que isso é normal. Minha filha era uma criança. Ia ter outra criança e ela via aquele bebê como se fosse o final de feliz de um conto de fadas. Sabe por que ia se chamar Beatriz? Porque ela dizia que era nome de princesa. Olha aí, bença. Doninha mesmo fazendo as coisa dela lá, ainda brincava com aquela boneca lá, Florzinha, que agora virou companhia da minha mulher. E foi essa menina que mataram levando o bebê junto.

Se pelo menos tivessem salvo o bebê. Mas foi tão rápido. Donda, disseram, tava doido. Quando ligaram pra mim só disseram que era pra eu ir correndo porque a coisa era grave. E pra piorar ainda peguei engarrafamento na av. Norte. Jogo do Santa Cruz. Cheguei lá e o resto o irmão já sabe.

Deus é bom… nós é que não presta, bença. Nós é que faz as coisa aqui e sofre aqui mesmo. Mas Deus continua sendo bom, porque se não fosse Ele, tu acha que eu taria aqui falando contigo? Eu já teria feito uma besteira e das grande. Mas tô aqui. É claro que tem hora que o juízo doi na gente, sobe um treco aqui na garganta, uma falta de ar, uma doidiça que só o Todo Poderoso! Mas aí eu lembro que se Jesus chorou, eu também posso chorar e que é chorando que nós se liberta um pouco dessa coisa ruim. E se nós chora de joelho, oh!!

Eu só espero ser um bom avô. E um pai melhor. Eu espero que Deus ajude meu menino também e cure minha esposa desse espírito que tomou ela. Mas tenho fé.

O irmão sabia que eu recebi uma carta de Donda? Pois é. Me pediu perdão. Disse que se arrependeu muito, que tá doendo nele também. Na hora eu pensei: agora tá doendo? Agora? Ah, meu filho, me erra!!! Era pra mim e pra Joana, mas eu não mostrei não. Li e joguei fora. Mas aí eu lembrei que Jesus mandou perdoar… consegui? Tentei. Até pensei em responder, mas quando vi, chegou a notícia: a mãe dele passou gritando aqui na rua chorando descabelada "mataram meu filho, mataram meu menino!". Xande tava na sala assistindo filme, quando ele ouviu deu um sorriso e depois gargalhou. Falou até palavras torpes… só não pegou rojão porque eu não deixei. E lá fora a mulé chorando.

E eu não tive coragem de ir consolar. A gente éramos lados contrário de uma mesma dor. Doía igual, mas era diferente também. Eu só orei e pedi pra Jesus consolar o coração dela. Disseram que ela agora tá tomando remédio controlado. Que Deus tenha misericórdia daquela família.

Se eu hoje me encontrasse com Doninha? Diria que ela viesse ajudar a mãe que tá sentindo falta dela. Dizia também que gostaria de dar bem muito xeru nela e que ela vai ser titia. Pediria perdão por ter feito coisa errada com ela quando eu bebia cachaça. Falaria que eu hoje conheci Jesus, que não bebo mais, que não fumo mais, que não bato mais na mãe dela e falaria, acima de tudo, que Deus é bom…

nós é que não presta!