A vida nos prega peças.
Tenho um iate médio há cinco anos e, eventualmente, transporto turistas que desejam desvendar o que as montanhas da ilha, onde moro, escondem. E são tantas as surpresas!
Que estranho fascínio exerce o que se acha oculto... E foi movida por essa curiosidade que comprei o barco, após anos de namoro.
Aproveitando a baixa temporada, há quinze dias coloquei o Saporoso na Marina para manutenção.
E ontem, após o almoço, voltei lá pra ver o andamento do trabalho.
Plena terça-feira de mar calmo, sol fraco e raras pessoas nas ruas.
Rick, o rapaz da manutenção, sorridente como sempre, de longe me fez sinal de positivo.
Cheguei mais perto e ele confirmou:
_ Tudo pronto, patroa. O barco está perfeito.
_ Que bom, Rick! Hoje, eu não pretendo sair. Só passei pra ver se havia novidades e deixar o seu cheque.
_ Uma senhora está lhe procurando. Parece que quer fazer um passeio. Ah, lá vem ela!”
E, foi assim que passei o resto da tarde passeando de barco com a agradável senhora idosa, de aparência tranquila e olhar penetrante.
Ela me contou, apenas, que quando moça ela e o marido tiveram um barco semelhante ao meu, e o ronco do motor a transportava para o passado.
Depois, sentou-se ao meu lado e, quando tornou a falar era como se conversasse com a Natureza; um misto de oração e poesia.
Falou de nuvens, marolas, transparência das águas, docilidade da brisa...
O brilho do seu olhar, verde como as ondas, aumentava cada vez que ficava em profundo silêncio.
No final da tarde, retornamos e eu me sentia em profunda paz.
A senhora saltou do barco com impressionante agilidade, se despediu do Saporoso e de mim com doce sorriso e olhos marejados.
Absorta, a segui com o olhar até que ela desapareceu no píer, parecendo flutuar.
Tentei me lembrar de onde a conhecia – as suas feições me pareciam tão familiar...
Mas, por mais que me esforçasse, eu não lembrei.
Só sei que a partir de agora, olharei a Natureza com maior gratidão e reverência.
Hoje, bem cedo, fui à capital que dista 70 km para comprar suprimentos.
Aproveitando a tarde livre, passei mais uma vez na Biblioteca Municipal.
Um retrato na parede que, deve estar ali há anos, me atraiu a atenção.
Mas, como pode ser? O retrato é da senhora que eu levei para passear ontem à tarde!
Sem acreditar no que eu via, cheguei mais perto para ler a placa anexada e gelei:
“A poetisa Alice Angel Di Nigris, madrinha desta sala de leitura, nasceu em Boituva/SP em 30/05/1910 e faleceu em Santos/SP em 10/05/2008.”
* Se alguém me contasse esta história, eu jamais acreditaria.
Anita D Cambuim – 12/09/2015