POBRE MENINA RICA
Sua tristeza emudecida, voz interna a não se calar. Quantos anos demorastes para chegar onde está? E agora no auge a solidão. Poderia lotar um salão com o mais alto quilate de rapazes todos dispostos a corteja-la. Poderia ir a qualquer lugar do mudo, saborear um perrier joulet em um bistrô em Paris ou apreciar o ar puro dos alpes suíços. Mas de nada adianta, perdeste a si mesma ao galgar o mais alto patamar na escala social e só agora percebeste que o que vale a pena não tem preço.
Queria estar agora cercada de gente humilde e simples desde que verdadeiramente lhe tivessem apreço. Queria estar cercada de filhos todos sapecas e sujos de barro, que não intocável em sua masmorra de cristal, cercada de gente falsa e de bajuladores, puxa sacos dispostos a lhe trair na primeira oportunidade. Queria não ser este fantasma a viver sua vida artificial, bem-sucedida e sem amigos em quem confiar.
Pobre menina rica, tem tudo o que não precisa, precisa de tudo o que não tem. Fora abandonada em uma rica prisão onde todos lhe são subservientes, poderia ir aonde quer que fosse, ter tudo o que desejasse. Só não poderia jamais em hipótese alguma confiar em ninguém, essa era a sina dos abastados a classe à qual pertencia a classe a qual estava presa.
Quem lhe dera encontra a confiança em um algum olhar estranho. Será que ainda existem pessoas sinceras, ou tudo que existe no mundo é uma corte de gananciosos inescrupulosos dispostos a lhe saquear, mas que a malogro da situação são obrigados a bajular, mentir ou prostituir suas almas por um espólio ou uma gorjeta dos mais abastados. São mendigos bem vestidos, ladrões de grife e pedigree, nobres sem nobreza, avarentos pardieiros.
São o que eu sou, uma mulher amarga e bem vestida, fina que sabe se portar a mesa, mas que nunca foi sincera com ninguém ou que nunca recebeu sinceridade de ninguém.
Cá estou eu com meus vinte e seis anos sentada em um luxuoso café na cidade luz, cercada de um uma criadagem digna de uma rainha, que de repente acordara para o que o mundo é, um lugar frio e inóspito cheiro de corações partidos e gente amargurada.
Seria a descoberta da traição do noivo com a melhor amiga o evento catalizador desta revolução interna. Seria este a ponta de ice Berg com o qual há muito se chocara. Seria o mundo uma coleção de falsos sorrisos, abraços embusteiros, e olhares mal-intencionados.
Haveria ela herdado no berço a maldição dos bem-nascidos que vagam na opulência farta e enjoativa, mas que estão predestinados a mendigar esmolas de afeto sem nunca poderem confiar em ninguém.
Renuncia a tudo isso, some no mundo, vá viver junto da ralé lhe soprou no ouvido uma voz que ela quase nunca dava ouvido.
Abandonaria tudo o que ela tem ou é, e viveria uma vida anônima no subúrbio, onde o afeto não lhe faltaria. Seria capaz de tamanha proeza e desprendimento. Viveria ela o abandono de tudo que a define, afinal ela era alguém tinha um sobrenome posses, tudo que os outros desejam. Como seria de uma hora para outra ver-se na rua da amargura como uma sem eira nem beira, será que assim sentir-se-ia melhor ou carregaria para onde quer que fosse aquela solidão, aquele descontentamento, aquele não se encaixar que tão profundamente lhe doía a alma.
Talvez a morte lhe caísse melhor, se fosse viver entre os pobres certamente haveria de estranhar os hábitos e as más condições putrefaz, a má higiene, os maus hábitos, a falta de recursos. Como essa gente conseguia ser feliz com tão pouco, pensou. Como conseguem viver de migalhas e restos e ainda assim sorriem, se eu a quem nada me falta me sinto assim tão desamparada e me sobra o que daria para alimentar mil ou talvez um milhão deles. Como?
Beatriz levantou-se da luxuosa cadeira em que acomodara seu incomodo e pôs-se em direção à rua, mal saiu do bistrô e ouviu uma voz desconhecida lhe chamar:
_Beatriz Albuquerque!
Aquele era seu mundo o mundo ao qual não pertencia mais.
Sem muito pensar pegou o primeiro taxi deixando a deus dará quem quer que a tivesse chamado. Não lhe interessava.