Bragança Web Reportagens - Crônicas de um repórter independente

Capítulo Um – A grande idéia

Carlos Bragança acabara de se formar no curso de jornalismo da renomada Cásper Líbero, uma das instituições considerada referência em ensino superior na área de comunicação social, em São Paulo. Após passada a euforia da formatura, sentiu-se feliz e angustiado ao mesmo tempo: apesar de formado, era um jovem de 25 anos desempregado e que não queria mais depender, financeiramente, de seus pais.

“Filhinho de papai”, era como muitos o chamavam pelas costas na faculdade, pois seu pai era o dono de uma grande rede de supermercados no centro da cidade. Isso abalava muito os sentimentos de Carlos que, apesar da boa condição financeira da família, trazia, na raiz de sua essência, a busca pela autonomia.

- “Depressão após a graduação”, talvez essa seja a matéria da minha primeira reportagem profissional – murmurava, ironicamente, para si mesmo, enquanto mexia no seu smartphone.

Carlos ainda morava com seus pais em um belo apartamento, no centro da cidade; da sacada do seu quarto vislumbrava uma São Paulo de incertezas, devido à pandemia de COVID-19. As vagas de trabalho estavam muito escassas e, apenas sairia vitorioso daquela situação quem se sobressaísse em criatividade. Nesse sentido, um pensamento vingativo começou a permear a mente de Carlos: - “Eu vou mostrar para aqueles idiotas da faculdade quem é filhin...”

- Eu-eu-reka jornalística! – berrou, pulando de súbito da cadeira. Espantado e intrépido, acabara de ter a ideia mais importante da sua vida para estourar como repórter!

- “Como não pensei nisso antes?”, dizia ofegante para as paredes do seu quarto, enquanto abria o Youtube. Ter um canal próprio no Youtube agora era seu objetivo, pois se lembrou que podia ganhar bastante dinheiro com isso se suas vídeo-reportagens fizessem sucesso. Acabava de surgir o “Bragança Web Reportagens”.

Capítulo Dois – A preparação

No dia seguinte, após passado o entusiasmo, Carlos foi ao shopping com sua namorada Ana para comprar os equipamentos de gravação. Confiante, também deu uma passadinha no setor de modas; afinal, ele queria estrear seu canal em grande estilo! Ao voltarem para casa, à tardinha, começarem a divulgação do canal nas redes sociais; a chamada trazia, como pauta, a estréia do Bragança Web Reportagens, com data marcada para daqui dois dias.

Carlos já estava convicto sobre o tema da sua primeira reportagem: o racismo. Durante toda semana, repercutiu na mídia a decisão de uma juíza que julgou e, preconceituosamente, condenou um homem negro também pela sua raça. A notícia teve repercussão nacional. Estava decidido: esse seria o tema de estreia. Ele tinha certeza que sua reportagem ia fazer sucesso. Carlos e Ana estavam preparados para fazer uma série de entrevistas na rua, cuja pauta seria a opinião popular a respeito do racismo e, também, como combatê-lo.

O casal publicou, em suas redes sociais, o convite para a estreia do canal:

“Você está convidado para assistir ao primeiro vídeo do Bragança Web Reportagens – seu canal de reportagens no Youtube. A estreia será nessa sexta, não perca!

Racismo, o que você pensa sobre esse assunto tão repercutido nessa semana? O Bragança, aqui, vai na boca do povo perguntar.

Inscreva-se e ative o sininho de notificações para ficar por dentro dos novos vídeos. Valeu, galera!”.

Capítulo Três – Luz, câmera e ação

Triiim! Triiim! Triiim!

- Bom dia, amor! – disse Carlos, energicamente, apesar de ter dormido pouco – Estou ansioso, e você, continuou?

- Diiiiaaaaa – respondeu Ana, sonolenta. Ah sim, nossa reportagem. Mas cara, você não acha que 6h30min é muito cedo? – questionou, bocejando, e, virando-se para o lado, adormeceu novamente.

Carlos riu, beijou a testa de Ana e sussurrou: - Ok, Aninha. Mas até às 8:30min precisamos estar na Paulista já – e foi para o banho, animado e ansioso.

Nada mais a esperar, acabava de chegar a tão esperada hora de colocar em prática todo o conhecimento técnico que havia aprendido na faculdade. Carlos e Ana foram para a avenida Paulista entrevistar o povo, equiparados de todos os materiais de proteção contra o Coronavírus, para fazerem as entrevistas de forma segura.

- Bragança Web Reportagens acaba de chegar na avenida Paulista! Hoje vamos ouvir um pouco da opinião do pessoal sobre a temática do racismo, mais atual do que nunca! Racismo de toga, será isso mesmo? – começou a discorrer antes de abordar o primeiro entrevistado – Eu, repórter Carlos, e Ana, minha assistente, estamos interessados na opinião popular! Em nosso canal, a opinião popular tem voz! – concluiu, firmemente.

Treze entrevistas foram feitas até às 11h. Jovens, idosos, crianças, engravatados e trabalhadores deram suas opiniões. Estava decididamente se formando um ótimo material. O casal já estava quase decidido a ir embora e começar a edição do vídeo.

- Espera, Ana! – disse Carlos, de repente! Vamos fazer a última entrevista, não gosto que termine em treze, o número do azar – terminou, franzindo a testa.

- Você com suas superstições, mas está bem! Quanto mais, melhor! – concordou, Ana.

Caminhava, a passos lentos, na calçada, uma senhora negra de 75 anos, dona Esperança. Seu rosto repleto de rugas e expressões marcantes anunciava, mesmo oculto pela máscara, na serenidade de um olhar penetrante, sua história de vida sofrida.

Carlos, vendo-a, aproximou-se.

- Olá, bom dia! Como a senhora se chama? – indagou o repórter.

- Dia! Meu nome é Esperança – respondeu a idosa.

- Dona Esperança... Muito bem! Nós estamos entrevistando o pessoal sobre o que eles pensam a respeito do racismo. A senhora poderia dar sua opinião? – questionou Carlos, para começar a fazer as perguntas.

- Meu filho... o que quer saber? – perguntou dona Esperança.

- Bom... As opiniões de direita e esquerda sobre o tema sempre ganham bastante repercussão. A senhora se alinha a algum discurso? – Interrogou, pensando ter feito uma pergunta inteligente.

- Direta e esquerda? Já apanhei dos dois punhos dos meus ex-patrões, eu era empregada doméstica, sabe? Tinha só um banheiro na casa... – dona Esperança começou a chorar.

Carlos engoliu em seco. Estava preparado para fazer questionamentos inteligentes, mas a vida ainda não tinha lhe preparado para olhar além da realidade supérflua das coisas.

- Menino, eu sei o que você me perguntou! Eu sei que direita e esquerda são posições políticas. Mas, quis ser irônica propositalmente. A minha real opinião é que o mundo está preocupado mais com ideologias do que com o sofrimento individual de uma alma condenada pela sua cor.

Tentando se recompor do impacto emocional, Carlos continuou perguntando:

-Mas, dona Esperança... Como podemos acabar com o racismo?

- Ah, filhinho... “Os cães ladram e a caravana passa”. Pergunte pra você mesmo o que você pode fazer. Se cada um se perguntasse e, muito mais do que isso, fizesse... Ah, as coisas seriam diferentes.

- Ve...ve..verdade –gagejou, Carlos!

- Agora vou pra casa, moro sozinha e estou com um pouquinho de pressa... Deixei o fogão aceso – terminou, despedindo-se de Carlos e Ana com um aceno.

Muito mais do que sucesso eles iriam ganhar com essa reportagem, pensaram. Agora eles ganharam uma coisa muito maior: o discurso do agir. Ganharam esperança... Aquela simples senhora, quem diria? Enfim, o vídeo foi batizado com o seguinte nome “Se cada like fosse uma atitude contra o racismo.....”.