Barcos

Cada pessoa é um barco. Quando nascemos, somos colocados em uma água da qual desconhecemos as suas dimensões. Talvez seja um imenso oceano, um lago ou uma simples poça d’água. Seguimos o caminho que nos é inicialmente indicado sem questionar nada. Isso acontece mesmo quando vemos que cada barco é diferente um do outro, sendo isso visível desde o material que cada um é feito, passando pela a sua cor e o seu design.

Alguns desses barcos tinham mais escolhas que outros, mas para todos chegava uma hora em que se tinha que decidir qual era o caminho a ser seguido e qual grupo iria acompanhar. Todos os barcos buscavam a felicidade, mas a água em que estavam era muito grande para que se pudesse avistar qual direção era a correta.

Avignon estava no fim da sua adolescência e prestes a ter que escolher o caminho da sua vida. Algumas épocas facilitam muito essa decisão e infelizmente essa era uma dessas épocas. Uma guerra tinha acabado de se iniciar e o caminho militar se tornado muito popular entre os jovens. Esse foi um dos motivos que o levou a se alistar. Além disso, também chegou à conclusão de que, sem o seu país ainda vivo e independente, não seria possível haver felicidade.

A sua bravura, esperteza e conquistas o levaram rapidamente a um alto cargo. Apesar disso, nunca conseguiu se sentir plenamente feliz. Alguma coisa, embora sempre seja impossível de se saber o que é, estava faltando no caminho que tinha escolhido. Não importava quantas medalhas ganhava, quantas pessoas o parabenizavam pelo excelente trabalho e nem mesmo quantos diziam que queriam ter a sua vida, pois a única coisa que realmente não saia da sua cabeça era um (e apenas um) maldito pensamento. Afinal, o que estava faltando na sua vida e o impedindo de ser feliz? Ao invés das cenas perturbadoras que tinha visto durante a guerra, esse simples pensamento tirava o seu sono e o obrigava a olhar para o céu estrelado durante horas enquanto tentava achar a solução desse quebra-cabeça.

Às vezes, o caminho que tinha escolhido se agitava como um mar revoltoso durante uma tempestade. Como normalmente esses momentos eram durante as batalhas, já estava acostumado. As decisões nunca eram muito difíceis de serem tomadas já que era só escolher o caminho que salvasse o maior número de pessoas. Caso fosse o errado, estaria morto assim como muitos e não veria as consequências das suas escolhas.

Em uma certa batalha, o seu exército estava em extrema desvantagem. Os seus homens lutavam bravamente, mas a derrota já estava praticamente decretada. Ordenou que os soldados recuassem e, logo após terminar de falar, viu uma granada caindo em sua direção. Um recruta, que havia acabado de se juntar ao seu esquadrão, pulou em cima dessa granada e impediu a morte de Avignon, porém não foi possível evitar os diversos ferimentos na perna direita causados pelos estilhaços.

Após ser encaminhado para o centro médico e tratado, ele foi chamado para reconhecer o corpo do soldado que havia se sacrificado por ele e dar as suas condolências à família. Só conseguiu identificar o corpo, pois a família ainda não havia chegado. Apenas os conheceu depois de um mês quando pode ir a casa deles. Lá, vendo todos de relance, acabou percebendo os seus olhos se prendendo no olhar de uma jovem mulher. Por alguns minutos não conseguiu dizer nada e nem prestar atenção em outras coisas. Perdido nos olhos da bela dama, acreditando que via a alma dela através de sua doce íris castanha clara, acabou não percebendo outros detalhes do seu belo rosto: um cabelo preto que ia até a altura dos ombros, lábios finos que eram enfeitados por uma delicada pinta preta em seu lado direito e emoldurados por um rosto de traços suaves. Ele sabia que estava apaixonado por causa do medo nunca sentido antes no caminho escolhido há muito tempo atrás.

Depois daquele dia, se encontraram diversas vezes. Avignon se aposentou da carreira militar e acabou se casando com ela. Ele finalmente tinha descoberto o porquê de não saber a causa da sua infelicidade. Afinal, não a conhecia para saber que a sua felicidade se encontrava nela. Por ter sido colocado no caminho certo, o das águas calmas e felizes, agradecia ao destino todas as manhãs por ter alterado a rota da sua vida. Sabia que quando ela partisse as águas não seriam mais as mesmas. A infelicidade e a solidão provavelmente tomariam conta do seu ser, porém decidiu não pensar nisso e aproveitar o tempo de felicidade que teria ao lado dela.