MILAGRES EXISTEM...
João Marcolino, cansado de sua solidão, numa manhã de domingo resolvera sair pelo seu pequeno sítio para pensar qual seria a melhor forma de dar cabo de sua existência neste planeta. Sentia-se exausto daquela rotina, onde pela madrugada acordava para alimentar seus animais em seguida caminhava para o campo em seus afazeres. Sempre levava consigo sua marmita, pois não se permitia voltar para casa antes do sol se pôr. Tinha por companhia Pitomba, seu cão de guarda, vira-lata que o acompanhava em todos os momentos. Era com ele que João Marcolino abria seu coração, desafogando suas mágoas, seus rancores. Nunca aceitara a forma prematura que seu amor se fora, puro egoísmo de Deus, dizia para si. Pitomba entendia tudo o que seu companheiro lhe confidenciava, inclusive naquele domingo, seu cão o acompanhava a certa distância, imaginando talvez, o que se passava na cabeça de seu dono.
À medida que caminhava, se embrenhava mata adentro perdido em pensamentos nebulosos num suador nunca dantes sentido. Determinado momento começara a ouvir vozes, sons de tambores, sentir calafrios, sensação nauseante, por fim viera cair ao chão. Rolara por uns minutos vindo seu corpo repousar sob uma frondosa árvore. Ali estava um corpo estendido no chão, exaurido, adormecido, com seu fiel escudeiro ao lado a contemplar aquele corpo inerte.
“Meu filho por que todo este sofrimento? Perceba como a vida é bela. Veja este campo florido, colorido, onde correm águas límpidas em seu solo. Veja aquela linda cachoeira, sinta sua energia, seu frescor. As pedras no seu caminho não conseguem parar suas águas, elas a enfrentam desviando de seus obstáculos. Já pensaste se as águas a temessem? Não existiria esta bela cachoeira, elas se infiltrariam no solo afim de se esconderem. Perceba os pássaros voando neste campo, todos livres a cantar e dançar, imagine-os numa gaiola aprisionados? As árvores oferecendo sombras, folhas e flores nos ofertando odores e belezas à nossas retinas. O sol nos concedendo a luz, o calor, a vida. A lua nos proporcionando lindas noites de luar. A chuva irrigando o solo, provendo o rio, o lago. O vento a nos lembrar de que somos cíclicos, por isto devemos estar atentos para os sinais que recebemos e sentimos. Acorde desta letargia emocional, meu filho. Veja o outro lado da moeda. Não seja exigente para contigo. A vida é bela, reescreva uma nova história, porém abandoná-la é covardia. Seja água da cachoeira que vai desviando das pedras no seu caminho”.
Passadas algumas horas, João Marcolino acorda de seu sono profundo, convicto de que tivera um sonho onde conversara com sua mãe. Assustado olhara ao redor, percebera estar debaixo de uma frondosa figueira onde costumava descansar em suas caminhadas pelo sítio, porém desta vez tivera certeza de que não caminhara para aquele local e sim tivera um mal súbito e rolara morro abaixo e desmaiara. Vendo Pitomba ao seu lado, abraçara seu fiel amigo, conversara a respeito de seu sonho contando minuciosamente o ocorrido. Pitomba ouvira cada palavra abanando seu rabo num gesto de concordância. João Marcolino não entendera a razão de seu sonho, bradara aos céus cobrando uma solução celestial, porém nada recebera de resposta. Voltara para casa revoltado e resoluto de colocar em prática seu intento. Pitomba o acompanhava de perto as vezes pulando, outras vezes atravessando seu caminho como se quisera dizer algo ou impedir tal atitude que se desenhava.
Num determinado momento, surgira a sua frente um lindo e serelepe Bem-te-vi gorjeando sem parar. Voava de um lado para outro. Vez ou outra pousava nos galhos de árvore que encontrava no caminho. Esta ciranda “bemtiviana”, fizera com que João Marcolino desviasse seus pensamentos mórbidos e percebesse a beleza que a natureza nos oferece. Repensara seu sonho, a possível conversa que tivera com sua mãe. Lembrara de Francisco de Assis em sua humildade para com os homens, os animais e a natureza como um todo, onde considerava todos seus irmãos, afinal todas as criaturas são criação de Deus. Lembrara de sua amada em suas últimas horas de vida, onde pedia para que ele continuasse sua caminhada. Ela estava iniciando um novo ciclo, porém ele tinha muito o que fazer, que fosse feliz num novo amor, pois a solidão poderia interferir na sua vida. Após estes momentos de reflexão, o Bem-te-vi pousara no seu ombro fazendo com que ele sentisse um perfume que lhe era muito familiar. Ajoelhou-se agradecendo aquele momento como também pedira perdão pela insensatez de uma decisão impensada. Sua mãe lhe falara, sua amada lhe visitara através de um lindo Bem-te-vi. Voltara à sua casa convencido de que houvera um milagre. Uma tomada de posição lhe fizera perceber de que é possível reescrever uma nova história. Traçar novos caminhos, afinal somos todos cíclicos e um novo ciclo estava a iniciar.
Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 29/09/20