O BISÃO NEGRO: DUQUE BARLAD
Sentados em uma mesa de madeira negra, retirada de árvores próximas, o duque Barlad conversa com um homem jovem, de pouco mais de trinta anos na barba curta, pele clara, cabelos negros como uma noite escura. Seus olhos âmbar acompanham os lábios do duque, que conta a história de como seu filho falhou em levar o bisão Trincado até Grisgown.
– Depois que foram atacados pelos lobos e decidiram voltar, pegaram o caminho da floresta, para escapar de possíveis viajantes que soubessem de sua missão. Mas quando chegaram ao lago congelado mais uma vez os lobos os atacaram como vingança, mais preparados. As feras morreram, mas o bisão afundou no lago e meu filho foi junto – Barlad contêm as lágrimas enquanto fala, mas apenas na voz se nota a sinceridade de sua perda.
– Você sempre teve as melhores batalhas na guerra – o homem tem a voz firme, mas há simpatia nas palavras. – Contava na fogueira e nas tavernas como sua espada acertava com precisão os inimigos e saia limpa, porque ela se negava a manter a linhagem de outro por perto. Também falava muito sobre mulheres.
– Você foi prova de minha bravura, esteve comigo no campo de batalha em quase todas as situações.
– E por isso sei como suas histórias podem fugir um pouco da linha, por omissões ou aumentos. Como, por exemplo, o fato de sempre ter um pano preso à mão oposta da lâmina e limpar com frequência a lâmina, mesmo enfiado na carnificina.
– Não posso negar algo que olhos tão talentosos foram capazes de observar – o duque deixa um sorriso de nostalgia escapar, mesmo que molhado pelas lágrimas que escorrem, por não poderem cair.
– Você é um bom amigo, duque, mas infelizmente suas mentiras causaram algo sério dessa vez – o outro nobre se põe de pé e prende a bainha que descansava ao seu lado na cintura. – Encontramos seu filho escondido dentro do castelo, um dos meus homens achou-lhe no quarto de empregadas, vestido como um plebeu.
– Eu posso explicar.
– A cabeça queimada denunciou rapidamente de quem se tratava. E o bisão, esse não sei o que aconteceu, mas tenho certeza que está escondido em algum lugar. Seu filho deve saber, ele o trará até aqui, para que eu termine o que foi começado – o sujeito de olhos âmbar e voz firme suspira. – Mesmo que não seja minha vontade.
– Você não entende, o que eu contei é verdade – o duque está com os olhos arregalados, seus dedos tentam agarrar o ar, buscando segurança. Ele tem a espada logo ao lado.
– Não duvido do que contou, mas sei que seu filho está vivo e saudável, então parte do que me contou não é real. Pra variar.
A porta do salão abre e quatro soldados de armadura entram, todos mantendo as mãos perto das bainhas armadas.
– Está tudo bem aqui? O tempo pedido acabou, majestade – diz um deles.
– Sim, podemos prosseguir – o homem busca uma coroa de aço negro de sobre o banco e põe na cabeça. – Vamos?
Duque Barlad olha para o lado, para a espada de prata que recebeu de presente daquele mesmo rei, quando recebeu aquelas terras. Ele pega a arma pelo cabo e a levanta na direção do rei, mas ainda embainhada.
– Faça com que meu filho a tenha e, por favor, dê-me a honra de ser o primeiro do reino a perpetuar a linhagem de meu nome.
– Isso será concedido – o rei pega a arma e a entrega a um dos soldados.
Eles saem do castelo e no pátio foi posto um ornamento de madeira bruta e escura, com o símbolo real desenhado nos dois lados. Curi, o rei, saca sua lâmina prateada e brilhante e separa a cabeça do duque de seu corpo.
Jon grita, os serviçais cobrem a boca e os guardas se mantêm preparados para qualquer tentativa contra o rei. Curi respira mais fundo do que o normal e fecha os olhos, como se sentisse a alma de Barlad o circulando. Ele chama Jon para frente e o menino vem, alguns serviçais protestam em baixo tom.
– Seu pai mentiu, Jonatam – ele diz, estendendo a mão para receber a espada dos Barlad. – Mas era meu amigo, um companheiro de batalha. Para honrar seu nome o concederei um último pedido, mas a realização do seu desejo depende apenas de você.
Jon recebe a arma embainhada e segura no cabo, deixando a bainha escorregar a cair sobre a neve. Em frente ao corpo do pai decapitado, ele tem uma espada em mãos e o homem que matou que mais o amava no mundo.
– Talvez você não entenda o que aconteceu aqui hoje, ou o porquê tive de fazer o que fiz. Pode me odiar por alguns meses, não lhe culpo por isso, mas logo terá de fazer algo parecido, como seu pai muitas vezes fez. Você deve escolher se pretende enfiar essa lâmina em mim ou ajoelhar-se e jurar sua lealdade.
O menino nobre levanta os olhos, irados, e procura no rosto de Curi um motivo para não tirar suas tripas da barriga.
– Se quiser uma dica, acerte aqui – o rei mostra onde fica o coração. – Um golpe bem dado e morrerei antes de qualquer curandeiro ou mago poder me ajudar.
Jon segura com força o cabo da arma, ele balança a lâmina algumas vezes, sentindo o peso, bem mais do que o da adaga. O menino lutou muito recentemente, ele está cansado de lutar. Os joelhos do novo duque Barlad se dobram e ele estende a espada ao rei.
– Lhe entrego minha espada, minha vida e a de todos que vierem depois de mim – Jon levanta os olhos, ainda furioso. – Assim juro e, caso venha a descumprir meu juramento, eu mesmo acabarei com a desonra que há em mim.
– Eu juro que suas terras não sofrerão de mal e que sempre terá uma mesa farta no meu castelo. Guarde a espada, precisará dela para me servir pela eternidade – Curi passa a mão sobre a lâmina e termina o pacto mais que sagrado.
Jon se levanta como duque Jonatam Barlad, o primeiro filho de nobre a receber um título em todo o continente. Em seu coração ele divide a raiva pela morte do pai, e o alívio por não terem encontrado Trincado passeando pela floresta que agora não tem mais lobos.