281 - As Aulas
Tudo lhe servia para sair dali. Agora, por exemplo, via em pormenor a cabeça de Alberto, o remoinho de pelos a descer pela gola da camisa de xadrez azul, as costas a esticar a camisola de malha. Muitas vezes parava os olhos e ia para as férias na praia, os pés na areia molhada, a cabeça ao sol, o peixe preso por um opérculo, as algas, a caldeirada na cataplana, o pai a nadar. Ficava muito tempo à espera de ver o que nem sequer imaginava. A Vera quase nua escondida na duna e um homem nu a pegar-lhe onde podia. Depois voltava à aula e limitava-se a ver a boca da mestra, pintada em vermelho vivo, a debitar uma chuva de palavras sobre a declinação de um verbo qualquer em francês. - Era assim a maior parte das aulas. Via-se já com corpo de mulher no meio da garotada, sem nenhum interesse pelo que ensinavam, com vontade reprimida para se erguer, pregar dois estalos ao mais inteligente da turma e sair na mota do Henrique que sentia às voltas por ali á sua espera. Acelerando duas vezes era sinal de que começava a impacientar-se. Enfim a saída. Depois ficavam a olhar-se de longe e ela ficava na paragem do autocarro para voltar para casa. Quando reprovou, depois da conversa com a mãe, foi para a costura. De lá não escutava o acelerar da mota do Henrique mas, em compensação, aprendeu a chulear, a fazer caseado, a tirar alinhavos e pregar botões enquanto ouvia histórias muito fortes das depravadas que, como ela, estavam destinadas a costurar a vida toda se não aparecesse quem as subtraísse a tempo ao tédio dos dias.