CAMPING DE PRAIA
CAMPING DE PRAIA
No túnel do tempo dos anos setenta, episódios perdidos nesse passado distante são agora lições de vida.
Uma família como tantas outras.
O marido que adora acampar, acha que dormir em barraca é algo imperdível.
A mulher, criada nos padrões dos anos cinqüenta, sessenta, “piloto de fogão”, o acompanha com três filhos menores. Uma menina de aproximadamente dez anos, e dois meninos, um de oito e outro de dois anos.
Pé na estrada, carro lotado com tudo que a mulher sozinha teve de arrumar, preparar, para que nada faltasse aos filhos e ao marido apaixonado por camping.
Praia de Maranduba, entre Caraguatatuba e Ubatuba.
Chegaram, que beleza para o marido, porque a opinião da mulher “piloto de fogão” não vem ao caso.
“Será que não dá para segurar as ferragens da barraca? Será que tenho que fazer tudo sozinho? Olha essas crianças que não param de correr. Não dá mesmo para sair com vocês, lugar de mulher com crianças é dentro de casa”.
A mulher, controlando o seu temperamento um tanto agressivo, porque afinal de contas escorpião não leva pisão sem levantar o ferrão (até rimou), procurava atender aos apelos educados do marido.
Mas como mulher dos anos sessenta, nem sendo escorpião tem esse direito, esforçou-se ao máximo para conciliar as duas coisas: olhar os filhos e ajudar o general a montar a barraca que foi opção dele, idéia dele, etc.
Pronto, barraca montada.
Descarrega-se o carro, coloca-se tudo no lugar
Oh! Que delícia, o general pode descansar, apreciar a paisagem.
“Mamãe, estou com fome, estou com sede, quero ir ao banheiro”. Tudo o que criança pede, tudo ao mesmo tempo e no conforto da barraca e na distância do banheiro sujo e mal cuidado, é fácil de resolver, uma tranqüilidade.
O general descansa, porque afinal ele trabalha trezentos e sessenta e cinco dias por ano, tem direito a férias remuneradas e crianças quietinhas e acomodadas dentro de uma barraca com chuva caindo lá fora.
Mas as crianças resolvem fazer uma guerra de travesseiros para passar o tempo que não tem nada de monótono para três crianças saudáveis e ativas, dentro de uma barraca em um dia chuvoso.
A mulher se desdobra entre atender às necessidades das crianças e tentar aquietá-las diante das ameaças do marido se elas não parassem a brincadeira. Cai a noite, as crianças cansadas dormem, mas a menina, a mais velha das três é alérgica e começa a ter dificuldade para respirar, uma crise de bronquite.
O general fica uma fera, porque afinal de contas alergia é resultado de desobediência, e ácaros é invenção de cientista.
“Desobedece, agora eu não vou fazer nada, sofra as conseqüências, outra vez não desobedeça.”
Isso se ela conseguisse sobreviver.
A crise agravando, a mãe desesperada com o coração acelerado, peito apertado, vendo o sofrimento da filha a vinte e cinco quilômetros da cidade mais próxima.
A menina diz para a mãe em prantos, com a respiração difícil: “Mamãe, o papai não gosta de mim, ele quer que eu morra.”
A mãe responde: “Não filha, é o jeito dele, ele está zangado com você, não tenha medo, a mamãe está aqui. Deus é o seu verdadeiro Pai e o remédio que a mamãe lhe deu, logo vai fazer efeito, tenha paciência, respire devagar, vamos ter fé, Deus não desampara.”
Sentada na cozinha da barraca, orando e abraçando a filha, a mulher teve certeza de que, quando oração de mãe não resolve, nada mais resolve.
As preces foram ouvidas e depois de mais ou menos uma hora que pareceram à mulher aflita uma eternidade, a respiração foi voltando ao normal, a menina foi-se acalmando e adormeceu nos braços da mãe.
Ele, o “general”, dormia o sono dos justos, deitado nos colchonetes no quarto da barraca, embalado pela música dos anjos.
Meu nome é Vitória, modéstia à parte, essa mulher sou eu.
Muito prazer em conhecê-la.
MDLUZ
1976
17/09/2020