278 - A Ilusão
Pelo S. João deitava um ovo num copo com água e colocava-o ao sereno. De manhã boiavam a gema e a clara presas por fios da proteína que organizavam a estabilidade do todo. Pequenas bolhas de ar iluminavam o conjunto abstracto onde ela via barcos, castelos, paraísos possíveis, modos de aceder ao amor que, os quinze anos que tinha, faziam fantástico no seu coração. Nascera ali, à beira da estrada por onde toda a gente passava para fazer a vida na cidade distante muitos quilómetros de poeira e lama, de buracos que a chuva abria no chão. Amigos não tinha e as pessoas que ganhavam nome na sua lembrança eram as que, semanalmente, voltavam para vender ou comprar. Um dia ele entrou na loja. Vinha com o Fábio e nunca falou. O que não disse olhou. Primeiro disfarçadamente e depois a queima-la despudorado. Sentiu a agonia, a vontade de ir com ele não importava aonde, o desejo louco de que falasse uma só palavra que fosse para ela acertar na memória o tom da voz. – Eu sabia que ele viria. Adivinhei-o pelo ovo do copo de S. João. Acredites ou não, Lurdes, ele estava lá quase igual ao que acompanhava o nosso amigo, ainda mais alto e moreno como eu sonhei. Olhos, boca, riso, dentes e corpo tudo a condizer. As mãos não recordo de ter visto mas vi todos os recados que deixou: ah, se ele pudesse! Levou algum tempo a esquecer o homem e quando no mês seguinte ele voltou trazia mulher e um filho pequeno ao colo. Recados deve ter voltado a deixar mas não conseguiu decifrá-los. Na mão dele havia uma aliança.