277 - O Diário
Depois de escrever, a mãe lia. Assim, Gabriela, deixou de ser sincera na escrita. Ainda usava a velha fórmula para começar os textos mas a seguir à expressão “querido diário”, invariavelmente, seguiam-se todas as coisas que inventava para contrariar a curiosidade da progenitora. Era um gosto vê-la rabear para achar o caderno e um delírio sempre que a via penar por coisas absolutamente absurdas. Suspirava, ficava doente, olhava-a confusa e silenciosa porque, para moralizar, teria de confessar que lhe lia tudo o que não devia e ali só havia uma pessoa sem mácula, acima de todos os vícios, sempre, sempre verdadeira: ela, a mãe sacrificada, a mulher que dormia com um homem que era um autêntico porco a ressonar e que, a maior parte das vezes nem a olhava. Ficara assim, uma espécie de dor permanente, até mesmo quando saiam todos e ela se empanturrava de queijo e marmelada para se compensar. Desta vez a filha escrevera coisas que uma mãe nunca aceitaria sem revolta. Dizia que ela era a tirania com pernas, que o pai fazia bem em ignorá-la, que o gosto pela vida alheia a transformara numa bisbilhoteira vulgar. Decididamente fora às cordas como um boxeur nocauteado e não sabia como sair invicta do circo a que pegava fogo. Gabriela parecia feliz, alheia ao deambular nervoso da mãe a lavar tudo só para abater o stress. Depois de escutar outra vez os Rolling Stones , Gabriela, sentada à secretária preparou a melhor forma de a vencer e escreveu: - Hoje, querido diário, foi um dia especial. Perdi a virgindade. Perdi-lhe também o medo. Hoje, até gostaria que ela lesse esta confissão mas se há coisas que a minha mãe nunca faria era invadir a minha intimidade. Ela só bisbilhota a vida dos de fora.