Espelho Amigo
Espelho Amigo
“Debrucei-me na janela da minha vida. Lá fora a chuva cai, descendo de nuvens trazidas por circuitos de saudade.”
_Consigo ver o ponto luminoso dos seus olhos e a forma como a cor da íris muda com o clima. As linhas de expressão que acompanham seu olhar marcante sempre que sorri. Você tem belas covinhas sabia? E as saliências das maçãs de seu rosto tornam sua face mais convidativa aos olhos. Adoro as ondulações dos seus cabelos e a forma como eles se revol-tam as chuvas de verão...- disse uma voz tanto ao longe conflitando com os sons do teclado do computador e a canção do Led Zeppelin.
_Sequer está olhando para mim agora, como pode saber?
_É para meu novo poema, fala sobre...
“Mesmo longe ela ouvia a melodia que o cair das gotas de chuva oferecia, notas harmoniosas que combinavam perfei-tamente as batidas do seu coração.”
Tão longe quanto fosse permitido ela estava, nem mesma se deu conta de quanto tempo se passara até que uma cane-ca de café lhe foi estendida e o local ao seu lado ocupado.
_Preste atenção bem aqui. – Apontando para o vidro onde o reflexo dos dois era quase imperceptível devido à clarida-de lá fora. _ a luz dos seus olhos é única Senhora Otimista e ainda que eu seja um Poeta da dor, orgulho-me em dizer que também sou profeta do amor.
_Tem visto coisas demais ultimamente meu amigo poeta.
O silencio paira, os pensamentos divagam... Um gole de café, forte e amargo, retoma a consciência daquele momento.
_O dia está mesmo lindo, não? É como se a chuva me trouxesse um recado.
_Está mudando de assunto mais uma vez. Começou, termine... É nossa regra afinal. O que te aflige?
“Memórias tentam escapar de sua mente como névoa em mãos, esvaindo-se em dor. A tal linha do tempo repleta de sonhos traçada outrora já não existe e agora toda palavra proferida é como flecha que fere em um tiro certeiro.”
_Eu não sei te explicar...
Ela debruça sua cabeça no ombro amigo e permite-se descansar. Todo conforto é bem-vindo agora. A resposta veio com o suave toque das mãos dele em seus cabelos.
_Olhe para o seu reflexo Otimista, o que vê?
_Alguém repleta de sonhos que não consegue seguir por medo de perder aquele que mais ama.
_E onde este seu otimismo, preciso-te renomear então? - Ele pergunta com sorriso nos lábios enquanto a aperta suave-mente. Responda-me... O que você vê?
_Talvez eu não me reconheça mais. Vejo uma mulher com marcas do tempo e uma alma partida. Alguém que conta os dias através das medidas de café e que talvez não se importe mais com o futuro...
Se ela tivesse visto seus olhos, saberia o que viria a seguir. O toque suave mudou repentinamente, agora com firmeza ele a coloca de pé, frente a frente.
_As dores do teu peito são as minhas agora, vê meu rosto? É reflexo do teu. - As expressões se tornam sérias. – Não ouse dizer que não se importa, não para mim...
Ele percebe o brilho nos olhos aumentar, como se gotas de orvalho tocassem o verde folha profundo deles...
_Diga-me algo Otimista, não me faça sofrer com teu silencio também.
_ Acha que me conhece tão bem assim? Se minha dor é tua dor tem suas respostas... Mas já que queres que eu diga algo, responda-me, o que meu coração tanto anseia?
_A verdade é uma só otimista. Enganoso é o coração mais que tudo e muitas vezes perverso. Seu anseio é de que se cumpra sua vontade, mas fato é que não sabemos ao certo o que ele deseja. Está inescrutável.
Ao fim das palavras ele pode ver as lagrimas escorrendo no rosto a sua frente.
_Se eu pudesse recolheria suas lágrimas, traria paz e apaziguaria essa tempestade que te assola. Dentro das minhas limi-tações de homem miserável tenho meu ombro amigo e forte abraço a te oferecer.
Sem delongas ele a puxa para perto de si e ouve-se o ruído das canecas se chocando...
_Vai derrubar o café...
_Shiiiiu, não estraga o momento. Deixa-me te apertar antes de ir pra casa.
_Já vai?
_Sim, o amor da minha vida me espera envolta ao meu filhote que essa hora deve estar destruindo a casa.
_Pensei que eu fosse o amor da sua vida.
_Não, você é apenas a inspiração para os meus versos. Sabe que se ela te ouve falando isso sou um homem morto. Posso te pedir uma coisa antes?
_Vai pedir mesmo que eu diga não, eu te conheço...
_Olhe mais um pouco para o seu reflexo, eu adoro você coisa chata e sabe que sempre poderá contar comigo, mas tem a sua frente ao espelho, teu amigo. Olhe bem o que vê e se encante por você...
_mas...
_Sem mas, me ouça – dando-lhe um beijo na testa. - Se ainda tiver dúvida do que ver me avise, sou teu amigo também e vou refletir o que de fato seu coração sente. E sabe o que eu mais quero?
_Mais café antes de ir?
_Também, mas não é isso. O que mais quero é ver meu rosto refletindo o seu sorriso.
e despedindo-se, ele se foi...