Uma senhora idosa
Conte-me uma novidade lá do seu sítio no interior daquela cidade tão distante da civilização... Nada tenho de novo, a não ser a carta que recebi da dona Magnólia, quer ouvir? _ Pode ler.
Angélica, a gente junta tantos bens materiais ao longo da vida para findar precisando de tão pouco, a minha rotina resume nisto; sento-me à janela de um quarto solitário, o que dentro dele existe são coisas pessoais objetos necessários, cortinas para alongar o sono quando amanhece e não quero acordar cedo, um espelho onde nele reflete o fim do dia, também o dia, e o meu rosto cansado, uma cama de casal porque não sei dormir em cama de solteiro, um travesseiro, uma mesa de cabeceira, um abajur, uma escrivaninha, um sofá com almofadas, pra eu divagar. Uma mala grande, que nunca mais viajou, uma estante com livros, livros que deles não abro mão, um banco de adorno, em cima dele uma flor do deserto, que nem gosto muito de flor do deserto, preferia outra flor, na parede um suporte com uma televisão, onde assisto um filme atrás do outro, uma cômoda com quatro gavetões, um armário sem portas, dado essas novidades, que deixa à amostra as suas roupas, roupas estas, há meses sem uso, levo à risca o não sair de casa, a não ser estritamente necessário, tudo isso e muita saudade. Pelo lado de fora da janela do quinto andar, vejo somente outros edifícios, e ruas que nem sei onde vão chegar. A minha saudade sim, é o que de mais existe, e o rostinho dele, que está em todo lugar. Acabo de receber uma foto dele por inteiro, tirou a sua máscara para sorrir e me enviar, disse que também não me esquece _ mamãe eu te amo muito, não fique triste, quando passar a quarentena eu vou lhe visitar, mas sei que é só para me acalmar, afinal está trabalhando e tão cedo não terá férias, mesmo assim quer me consolar. Tem certos momentos em sua vida, que por mais que tudo aparente estar bem, você sente uma melancolia inexplicável, seria mesmo inexplicável? Ninguém nos conhece a fundo, a não ser nós mesmos. Tem saudade que por enquanto não tem como remediar, é uma dorzinha mexendo com a alma que não dá para ser substituída por ninguém, cada filho tem o mesmo amor, mas tinha que ser aquele (que realmente está fazendo falta) para matar essa tristeza.
É o abraço apertado que não posso dar, é o olhar dele dentro do meu olhar, e na leitura, uma mãe conhece quando o filho está triste ou feliz, se está preocupado ou fingindo estar feliz. Eu sempre ouvia falar, naquelas mulheres que superavam a sua tristeza, de ter um filho distante, só quem conhece essa vontade de ver o seu filho ausente, e sem poder ir onde ele está, é que entende essa saudade. Hoje e todos os dias, nós nos falamos rimos juntos em separado, fazemos live, a propósito, é claro que isso tudo ajuda, mas não supera a presença, ai que saudade é essa meu Deus, tão intensa e conformada, agradeço o importante é que ele está com saúde e bem cresceu ficou independente. Dentro e fora do quarto, a vida só me fala de você meu filho. Desejando aqui em oração, toda felicidade do mundo para você, só não me acostumo com a sua ausência. Foi esta carta que eu vi de novidade e acho que virou um conto.