273 - O Mal

Quando leu John Steinbeck na fabulosa história “ A Um Deus Desconhecido”, achou idiota que o homem acreditasse que o espírito do pai estava numa árvore frondosa. Anos depois desculpou o escritor porque, disse, para haver magia importa que se inventem magos. E inventando-os não percebeu que teria de inventar também a magia. Ou vê-la e ele, tão agarrado ao factual comezinho, nunca assistiu a um milagre. Apesar disso acreditava em muitas crendices e dava consigo a jogar a moeda ao ar e a recolhê-la nas costas da mão sapuda: - se for coroa o Benfica ganha. Acreditava que o terço pendurado junto ao espelho, no interior do carro, lhe garantia a protecção de Deus e, ainda que envergonhado, persignava-se muito discretamente antes de arriscar o que quer que fosse. A seguir via o horóscopo para confirmar a sorte e, só então, avançava o que fosse de jogar. Um dia também ele adoeceu. Antes da consulta a um médico pediu conselhos, lavou-se com água de arruda, atendeu a todos os preceitos das várias simpatias recomendadas, deu ou esqueceu-se de dar os três pulinhos da praxe e nada surtia efeito. Continuava amarelo, com a urina escura, uma falta de forças notória e náuseas absurdas que lhe faziam quase vomitar as tripas. Elencou tudo o que poderia ser, de um simples mal olhado ao vodu que algum dos vários inimigos pudesse estar a fazer-lhe. Imaginava-se boneco de trapos a ser varado por sucessivas agulhas, pensava também que algum bruxedo estaria a ser feito com ajuda de uma peça de roupa íntima. Ai a malvada! Quando, já muito debilitado o médico enfim o viu, disse: - hepatite.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 09/09/2020
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