As três Marias

Uma se chamava Maria da Glória, a outra Maria da Conceição e última Maria somente. Cresceram juntas e envelheceram juntas ali mesmo naquele bairro quase provinciano da zona leste de São Paulo.

Se encontravam todos os dias ali naquele banco velho de cimento e passavam horas conversando. Quem as visse do ônibus reparava, olhava e dizia:

-Olha lá as três Marias.

E de que falavam tanto? Falavam da vida. Falavam dos sonhos. Falavam do tempo. E aquele banco já fora tanta coisa:

Foi casinha de boneca de barro.

Foi confessionário onde se segredaram os primeiros amores.

Foi papel de desabafo para destilar mágoas.

Foi até lugar para se decidir futuro da vida.

Maria da Glória quis ser enfermeira.

Maria da Conceição quis ser professora

E Maria quis se casar.

Seus filhos brincaram ali também, mas aquele era o banco das 3 Marias. Ninguém tascava.

Um dia, como todos os demais, se sentaram e começaram a falar:

Maria: Acho que o prefeito deve achar que somos estátuas vivas!

M. da Glória: E não somos?

Maria: É. Pensando bem…

M. da Conceição: Também acho.

Maria: Mas estátuas não envelhecem.

M. da Conceição: Por isso que somo vivas.

Riram. Silêncio. Longo silêncio.

M. da Glória aponta o dedo pro céu e pergunta:

- Será que elas ainda estão vivas?

Maria: Quem?

M. da Glória: As três marias, mulher! As estrelas!

Maria: Sei lá, ué! Eu hein!

M. da Glória: Eu ouvi dizer que muita estrela que a gente vê é só brilho mesmo. A estrela mesmo já se foi faz tempo. E a luz dela viaja por milhares de anos até não ter mais…

M. da Conceição: É, ouvi dizer mesmo. Pena que com a gente não é assim. A gente murcha até se apagar mesmo…

Riram de novo. Silêncio.

Maria: Por quanto tempo ainda?

Maria da Conceição: Uma cigana falou que eu viveria muito… sabe cigana, né?

Maria: Aquela infeliz! Queria pegar aquela bola de cristal e enfiar lá onde o sol não bate!

M. da Glória: Só porque o casamento não deu certo?

Maria: Vai pra merda, Maria!

Maria da Conceição: Ó dor de cabeça que não passa, né comadre?

Maria: ainda bem que tem os filhos…

Silêncio.

Maria: É. Acho que de alguma maneira a gente continua brilhando também.

Maria da Glória: É diferente, Maria. Mas é bonito de se pensar né?

Maria da Conceição: eu não vejo boniteza nenhuma. Os peitos caem. Os dentes caem...

Maria da Glória: Melhor se beijar, menina!

Maria da Conceição: Quem?

Riram. Riram. Riram. Quase passaram mal.

Maria da Glória: Será que ainda tem aquele poeminha que a gente fez juntas?

Maria: Deve ter. A gente deixou bem escondido…

Maria da Conceição: Deve tá, sim.

Maria da Glória: Deixa lá então. Se um dia descobrirem será um recado da gente.

Anoiteceu. Se despediram.

Um dia, então, Maria da Conceição não veio mais. Depois Maria da Glória. Maria ficou lá olhando o tempo…

E um dia... o fim.

Porém o bairro sem elas ficou triste. O banco, vazio demais. Não dava. Aquelas três Marias alumiavam o bairro.

Foram na prefeitura. Ouviram as histórias. E, como era ano eleitoral, o prefeito fez uma homenagem. Colocou uma estátua das 3 ali no banco.

Anos depois, descobriram o versinho:

Meu nome é Maria, Maria e Maria.

Espero um dia ser lembrada

por rimar com poesia.