UM VELHO, UM GUARDA-CHUVA E UMA MENINA.
 
O velho caminha pela rua alagada, sem guarda-chuva. Parece não se importar com as gotas que escorrem pelo cabelo e caem no pescoço. Ele tem o peso de milhões de fracassos sobre o corpo.
Enfim, depois de 70 anos, ele sai da prisão.
O lado de fora nunca lhe pareceu tão chuvoso e cinzento. Tão só.
A vida nunca lhe pareceu tão mísera. Todos que amou estão mortos, todos que conheceu o esqueceram. Ele não passa de um fantasma naquela vastidão cinza.
Um carro cruza ao seu lado, e o jovem, no banco de trás do automóvel, vê tão somente um mendigo molhado. Um cão passa correndo, respingando barro nas calças rasgadas do velho, em busca da comida que, ao seu focinho, traz um delicioso aroma. Tudo o que aquele ser humano era estava em sua memória infeliz.
Os pés estão frios e duros pela água. Mas ele está livre.
Quer dançar na chuva, mas não tem forças. Quer abraçar e beijar sua amada, mas ela se casou com outro. Quer rever seu filho, mas ele não mais vive. Sua vida foi arruinada por aquele crime.
A sociedade o julgava infindamente. Ele está livre das grades de ferro, mas a moralidade o condenará para sempre.
O velho não tem para onde ir, para onde voltar. Em suas costas, um gasto casaco de couro; em suas mãos, uma carteira usada e, agora, úmida; em seus olhos, apenas tristeza.
Um homem cruza por ele, e a menina que o acompanha para de caminhar, observando o velho. O pai tenta puxá-la, mas ela não deixa. A criança se protege com um frágil guarda-chuva cor-de-rosa, que balança com o vento.
A garotinha, de rosto redondo e olhos azuis, diz:
– Tu não tens um guarda-chuva? Está chovendo muito. – Em seu semblante, repousa uma curiosidade, além de uma pena pelo velho que está encharcado, com nada mais a perder.
– Eu não tenho nada. – Ele diz, sorrindo com tristeza e surpresa por ela ter falado com ele.
A pequena parece se surpreender, mas o pai tenta puxá-la com ele.
– Espera, papai, temos que ajudá-lo.
O velho se surpreende novamente e abaixa-se até a altura dela. O pai apenas observa tudo com desconfiança, e repudio pela figura distorcida, a seus olhos, perigosa.
– Agradeço, pequena, mas tu não podes me ajudar.
Ela parece refletir, os olhinhos juntos e pensativos.
– Toma. – Ela estende o guarda-chuva, deixando a torrente de água que desce do céu cair em seu cabelo.
O pai parece surpreso e, em seguida, se enfurece.
– Venhas aqui menina!
Ela se torce nas mãos do pai e estende o objeto para o velho, totalmente abismado com aquele gesto.
– Mas...
– Meu pai diz que devemos ajudar os outros e que não devemos julgá-los por sua aparência.
O pai, então, de súbito, para de tentar puxá-la e abaixa a cabeça, parecendo um tanto envergonhado. O velho, por sua vez, estende a mão e pega o guarda-chuva da mão dela.
– Obrigado. – Ele murmura.
A menina sorri e segue o pai, acompanhando-lhe sob o grande guarda-chuva dele.
Quando o velho segue seu caminho, a chuva não mais pode lhe tocar com suas gotas amargas, pois, enfim, ele está protegido. Ele pode não ter um lugar para voltar, mas, no final das contas, encontrou o perdão que tanto procurava. E, então, pôde se perdoar.
Danieli Mützenberg – 21 anos
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 03/09/2020
Código do texto: T7053443
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.