De como me tornei uma cobra

E se eu fosse uma outra coisa, um outro ser?

Assim me pus a pensar sobre o que faz do animal ser aquilo que é. Teria um animal consciência de si?

Se sim, como uma cobra se descobre cobra? Seria um choque se ela pudesse se descobrir como tal?

Sua vida seria uma prisão, não a do corpo que é comum a todos a seres, mas estaria sim aprisionada para todo sempre na ideia do que é ser uma cobra.

Entretanto ela é uma cobra sem poder se dar conta disso.

Martirizo-me pela existência da cobra que não tem consciência de si. Ao fazê-lo empresto minha consciência a todos os seres de sua espécie. Torno me uma cobra e sinto minha existência toda contida em suas formas, estabeleço vínculos diferentes para com a vida, diferentes daqueles que carrego sobre minhas duas pernas de animal bípede.

Ao fazer esse exercício eu não descubro a cobra, mas descubro a mim.

A consciência não é libertadora, a consciência aprisiona. Queria ser somente o sentir e o mundo me seria fácil, assim como o deve ser para cobra.

No momento perdi minhas pernas e membros e estou a rastejar em círculos, segundos eternos, em torno de mim mesmo.

Por que me atrevi a dar consciência a uma cobra?