Em Tempos de Pandemia 15

Riram até quase perderem o fôlego. Fazia sentido, casamento...submarino...era uma crítica irônica à instituição? Estaria condenada ao fracasso, se não fossem os protagonistas, em conjunto ou separadamente conduzirem o semovente na profundeza e na superfície? os disfarces, as hipocrisia e ajeitamentos, seriam qualidades da instituição? A dar campo para o casal estar de prontidão no subterrâneo e na superfície, vendo o mundo e interagindo com ele mantendo a relação e a si mesmos intactos? Oficina, fábrica de ilusão que se esvai? Nas relações terminadas, não passará de um cemitério de recordações, recheado de angústias e mágoas descartadas. Ou , para aqueles que encaram o casamento como uma escola para evolução pessoal e da família, espaço que desafia os pares a se auto superarem em ajeitamentos para a pacificação e a vida ser possível? mesmo depois de tantas chateações, infortúnios, sobrecarga de responsabilidades, omissões e desídias de uma ou ambas as partes, levando ao inevitável desbotamento das emoções para estarem sempre arrumadinhos um para o outro, no sorriso, no descanso, no ânimo para o encantamento, conduzindo os pares a adotarem uma postura de irem se segurando para a casa não cair?.

Como soou engraçado, Elba não se cabia no riso. Até que, depois de ter engasgado com a própria saliva, perdido a fala e a respiração de tanto rir, voltou à sanidade, respondendo:

___ Nossa Tamara, cavoucou, hein?! Nem casada, nem solteira, vivo em União estável com Walter, há mais de três anos. Elba era de ancestralidade nordestina, tinha um jeito carinhoso para referir-se aos seus genitores. Mãinha faleceu, desde que ficou viúva de Painho, quando era criança, via somente ela como arrimo emocional, até que partiu desta para outra. Namorei alguns, todos da igreja, mas não deu liga, o último casou-se há dois anos. Walter é médico, família católica, não gosta de falar de religião, resolvido afetivamente, não é dependente e nem vampiro emocional, tem um perfil introspectivo, mas indica que está na minha, temos sintonia em vários gostos e manias.

Tamara a interrompeu:

___E a fé? Você, toda puritana quando criança, levava certinho os preceitos da doutrina, toda certinha, não usava calça comprida, nem ouvia rádio, não tinha televisão em casa. Hum! Era ardida nos posicionamentos? Lembro que nem na calçada do Centro Espírita que eu frequentava com minha família você passava. Se andávamos de bicicleta na cidade, tinha horror passar na rua do Salão de reuniões A. K., dizia que somente sua religião iria para o céu, e agora se arranjou em uma relação informal ?

Elba mudou de expressão facial, os lábios afrouxaram-se, o semblante ficou mais duro. Ouvia verdades, aquelas que não passavam ilesas para aqueles que a conhecia na intimidade.

Disse que metamorfoseou. A personalidade que portara aos doze foi desmantelada, para o bem. Havia deixado crendices, desmoronou em seu ser fronteiras, paredes que a segregava, tinha deixado a doutrinação religiosa à parte, não sabe se foi em decorrência da formação e pratica da profissão, junto à depuração que fez de forma consciente e corajosa do que viveu da religião.

O fato é que emergiu de si a Elba espiritualista, tudo que absorveu da fé confessional, transmutou na mulher que assumiu a necessidade de viver Deus pelo coração, respirar Deus, tornar-se íntima daquele que a fez e a chamaria de volta um dia.

Estava melhor, passou ter contato com o Deus Uno, dela e de todo mundo, dispensou julgar o quadrado do outro, se era certo ou errado, a profissão e a vida extirpou seus preconceitos, numa nova mulher, melhor, aberta, livre, real, igual a todo mundo em potencial para se fazer, ser, se virar nos trinta para dar conta da vida.

Tinha alcançado a graça de entender que o seu coração era Templo e morada do Espírito Santo, e o Templo dos cultos era um espaço a mais para vivenciar a experiência do Sagrado.

Elba confessou:

___Tamara! Como profissional que atua na sociedade mais carente, na linha de frente do social, atendi meninas de família das mais várias religiões, inclusive da que frequento, pedindo para submeterem-se ao aborto, por terem sido estupradas por homens de confiança da família, pai, irmão, tio. Mulheres agredidas física e emocionalmente por maridos , abandono de toda sorte, dores, dores!!!!

E agora, nesta pandemia, a sociedade está doente, enfraquecida, multidão de necessitados crescendo, pedindo clemência, não tendo ao menos um templo religioso para ir, chorar suas tristezas e lamentações.

___Absorvo Deus diariamente, Tamara, absorvo Deus diariamente! O Sagrado tem vindo junto com a respiração! Caso contrário, não suportaria viver, não suportaria continuar estar aqui, levando o sorriso e soluções para os necessitados. Desceu duas lágrimas de seus olhos, bálsamo que consola, como que sua alma recebesse afagos de Deus, finalizando:

___ Servir é o meu própósito. Nem a religião neste momento está podendo salvar seus adeptos deles mesmos. A salvação é individual...a salvação é individual...pai não salvará filho, nem filho não salvará pai.

Que a mãe, Sabedoria Divina a alcance, amiga, a colocando em seu regaço, dando lhe forças para que consiga, se já não tiver conseguido, sentir o amor caloroso de Deus no coração, este Ser soberano e Infinito em bondade, fazendo a entrega, para que continue seguindo a lida, mesmo sobre duas rodas, neste mundo de incertezas.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 02/09/2020
Reeditado em 02/09/2020
Código do texto: T7053246
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