LEMBRANÇAS ADORMECIDAS

Um dia o velho estava sentado em uma pedra à beira de um riacho, vendo a água passar. Imaginando que aquela água correndo ligeiro, era como a vida dele que tinha passado em passos tão breves, em curvas tortuosas e sem pestanejar.

Em volto na solidão, com o olhar distante, a tristeza começava a tomar conta de todo o seu ser, o deixando cada vez mais cabisbaixo e sem esperanças.

Quando a tristeza o envolvera quase que totalmente, que a vontade dele era só daquele mundo sumir para sempre, ele sentiu alguém lhe cutucar.

Como num susto, ele despertou de seus pensamentos lastimosos e virou-se para a pessoa olhar.

Seus olhos se cruzaram com uma criança que lhe sorria sem parar. E ele desconcertado, e sem entender o que aquela menina fazia ali no meio do nada, foi logo a lhe perguntar:

- O que fazes aqui pequenina, nesta mata tão fechada e íngreme, com quem você está?

Ela aumentou mais o seu sorriso e um grande abraço ela deu no pobre velho, que mais confuso ficou com toda aquela loucura.

Soltando o homem, que sentiu como se um peso saísse de suas costas, ela indagou:

- Está se sentindo melhor? – E outro longo sorriso abriu junto com um olhar radiante e singelo.

Ele pensou e, realmente, estava mais abrandecido e confortado. Abrindo um sorriso leve e breve, ele disse:

- Sim garotinha, o seu abraço me fez sentir bem melhor. Mas, não me respondeu: O que fazes aqui? Estás com quem?

A doce menina só o olhava com ternura, e perguntou:

- Posso sentar ao seu lado?

Atordoado, ele concordou com a cabeça. Ela sentou-se alegre ao seu lado e falou:

- O senhor não lembra de mim?

Ele mexeu os olhos e a face, tocou no seu rosto com a mão direita, e indagou:

- Eu deveria me lembrar de você? É tão jovem, e eu tão velho. Não tenho lembranças de te conhecer. Sinto muito. Mas, de onde seria? É por acaso neta ou bisneta de algum vizinho meu?

Ela riu gostoso, e segurando na mão dele, ela disse:

- Não, não sou neta, nem bisneta dos seus vizinhos. Mas, você lembra de, quando bem menino, ganhou aquele caminhãozinho de madeira, que seu pai fez para você?

O velho se assustou, era uma lembrança da infância dele sim, mas, era de algo tão distante, como ela poderia saber? E a tanto tempo não pensava sobre isso. E com os olhos arregalados e a voz trêmula, ele falou:

- Pequena menina, como pode saber disso? Quem poderia ter contado para você? Você é um anjo dos céus? Veio me buscar? – O velho estava por demais assustado com tudo aquilo.

Ela deu uma risada gostosa, tudo parecia sair dela com tanta simplicidade, sinceridade e alegria. balançando a cabeça em negativa, ela continuou:

- Não. Não sou um anjo senhor. E não vim lhe buscar para a morte. Só vim lhe lembrar de coisas que esqueceu no tempo, deixou de dar importância e adormeceu nas suas lembranças.

Lembra quando a sua pequena irmã nasceu e de como seus olhos brilharam quando a viu pela primeira vez? E de como você ficou eufórico com a chegada dela?

O velho deu um sorriso quase imperceptível, mas, seus olhos pareciam reviver toda a cena de novo.

- Sim, lembro. Ela parecia uma bonequinha de tão pequena, e eu queria segurá-la, mas tinha medo de derrubar, pois parecia muito frágil.

A garotinha continuou:

- E quando seu pai te ensinou a andar de bicicleta?

Os olhos do homem começaram a brilhar, um brilho a muito desaparecido.

- Sim! – Disse ele quase em um grito. Algo estava acontecendo dentro dele.

E a menina:

- E de quando a sua avó trouxe aquele pudim maravilhoso no dia do seu aniversário?

Ele deu uma pequena risada e falou:

- É claro! Eu amava pudim, e o da minha avó era especial. Ainda mais porque ela morava longe, e dificilmente conseguia vir nos visitar. Aquele pudim foi um dos melhores presentes que já ganhei. Como eu pude esquecer. Sinto até hoje o sabor dele na boca. É como um sonho.

A menina abriu um grande sorriso, e segurou a mão dele que retribuiu o sorriso:

- Lembra da primeira vez que viu a professora de inglês da quinta série?

Ele corou de vergonha e respondeu:

- Sim. Eu nunca tinha visto tanta beleza. Todos os garotos da sala eram apaixonados por ela, tão simpática e sorridente. Eu me dedicava tanto a matéria dela para impressioná-la que só tirava dez nas provas. – A mente dele parecia ter despertado de um sono pesado. E até o seu semblante estava iluminado.

E ela continuou:

- Lembra quando conheceu aquela bela jovem na feira de jogos?

Os olhos dele reluziram de felicidade.

- Sim! Foi a primeira vez que vi a minha esposa, que Deus já levou desse mundo. O sorriso dela conseguia iluminar o meu dia por pior que tivesse.

- E o seu primeiro beijo? O seu primeiro salário? O dia do seu casamento e do nascimento dos seus filhos?

- Sim! Sim! Sim! Foram momentos maravilhosos que transformaram minha vida. – Ele estava eufórico.

O homem encarou a pequenina como se fosse uma assombração, aquilo o estava deixando apavorado e feliz ao mesmo tempo. E perguntou de novo:

- Afinal, quem é você? Como pode saber dessas coisas da minha vida? Isso é alguma brincadeira de mau gosto?

A menina soltou outra gargalhada gostosa. E o velho sentia que, apesar de tanto medo do que estava acontecendo, aquela garotinha só lhe trazia calma para o coração. E ela disse:

- Não precisa ter medo, não sou assombração. Eu sou essas coisas boas que aconteceram na sua vida. E sou pequena, porque você passou a vida toda, preferindo sofrer, não compreender as pessoas, e cultivando sentimentos de solidão e egoísmo, pois sempre teve temor de sofrer. E essa sua aversão a mim, foi só crescendo e crescendo, e não me deixando crescer ao seu lado, por isso, sou tão jovem ainda. Agora entende, quem eu sou?

Ele a olhou e parecia começar a entender, e a olhar com ternura.

E ela continuou:

- Eu sou a sua FELICIDADE, e você só tem tentado fugir de mim e me afastar da sua vida. E agora, novamente, estava se entregando para a tristeza sem nem discutir. Olha, não tenha medo de mim, você ainda tem muito o que viver neste mundo, então, viva, aproveite, me ajude a crescer dentro de você, e juntos seremos invencíveis.

Ele pensou e respondeu tristemente:

- Mas já sou velho!

Ela chegou mais perto dele e perguntou:

- Você ainda consegue andar? Fazer serviços manuais? Apreciar a beleza de uma paisagem? Saborear uma boa comida? Apreciar um bom vinho?

Ele divagou um pouco em seus pensamentos e respondeu:

- Sim. Ainda posso fazer tudo isso.

Ela se afastou um pouco dele e com um grande sorriso falou:

- Então, meu amigo! Você ainda tem muito o que viver. Muitas pessoas e coisas para conhecer. Esqueça as lamentações, as tristezas por não ter mais a sua esposa ao seu lado, e vá viver a sua vida, pois a vida é curta e o mundo muito grande. Seja feliz, abra o seu coração. Entregue-se a felicidade.

O velho homem, encheu os olhos de água, e abraçou a pequena com muita força, sentindo todos os seus bons momentos voltarem à tona, mostrando como é bom ser feliz. E agradeceu a pequena, dizendo que nunca mais fugiria dela.

E com o braço direito, ele enxugou suas lágrimas, e ao abrir os olhos novamente, ele viu que a pequena já não estava mais lá, mas, ele sentia que ela estava do lado dele, e não o abandonaria, só precisava ele não a esquecer mais.

Ele se levantou e saiu feliz e cantarolando para viver o resto de seus dias com muita felicidade e fazendo com que ela viesse a crescer e envelhecer como ele.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 02/09/2020
Código do texto: T7052586
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