Conhecimento e Sofrimento
A perspectiva de que ainda há alguma razão no mundo me parece obsoleta neste momento, ainda que até pouco tempo atrás fosse a única coisa em que eu me segurava. Segundo minha visão anterior, desconhecer é sofrer. Bem, agora eu conheço...
Eu vinha faz meses tentando escrever. A razão? Um sonho tolo de que eu um dia iria me tornar um grande escritor. Isto me levou a pesquisar a fundo diversos temas e a levantar diversas teorias. Me levou a querer analisar diversas ideias e diferentes pontos de vista de forma superficial. Para alguém como estou agora, as coisas eram bem diferentes antigamente.
Mas por causa da minha escrita precisava ir além. A ideia do livro inicialmente era criar um personagem que traria em si algumas máximas que eu carrego dentro de mim: no centro entre os conflitos de ideais, analisaria de forma um tanto quanto cínica as perspectivas da politica, filosofia e religião moderna.
Mas de certa forma nunca acreditei que deveria dissertar sobre determinado assunto sem o dominá-lo para eu não dizer algo incoerente sobre tais assuntos. Eu não poderia simplesmente escrever levianamente. As afirmações que eu tinha em mente deveriam se confrontar com a realidade para garantir a veracidade do que eu dizia. Pouco a pouco, fui pesquisando mais sobre histórias e relatos de pessoas.
Ao me confrontar com o pior do humano, percebi o pior de mim mesmo: de relatos pessoais, fui me aprofundando a sites com informações confidenciais, e gradualmente fiquei obcecado em saber sobre escândalos, sobre vazamento de informações e não demorou para fugir do controle: qualquer que seja a verdade, eu precisava saber. Não importa como. Não importa o porquê. Eu tinha que descobrir.
Fui pouco a pouco me afundando neste processo conforme me isolava para organizar o meu raciocínio, me esquecendo às vezes de reservar tempo para ver amigos, colegas. Passava todo o tempo focado em encontrar mais e mais detalhes na internet de casos cada vez mais obscuros e tenebrosos que me serviriam de inspiração para a minha obra definitiva. Não me importava de simplesmente abandonar o resto: meus diálogos se tornavam cada vez mais raros para com as outras pessoas, eu deixava até mesmo de comer e dormir para me adentrar em camadas profundas da internet em domínios duvidosos atrás de informações cada vez mais intensas: eu traria o pior do humano e usaria para criar algo sublime através da obra que faria de mim o autor mais controverso desta década!
A ideia original, claro, foi ficando para trás. Conforme as arestas deixavam de ser cortadas, elas cresciam, e num processo de seleção artificial de informações a ideia básica da minha história ia sendo deixada de lado para algo cada vez mais distinto de obras passadas: eu iria expor a gangrena da humanidade! Eu iria pôr em cheque todos os valores que conhecemos e iria rir. Iria ver todas as mentiras que iam se desmistificando diante de meus olhos ser exposta para o público em meu livro. Ninguém acreditaria no que estava por vir!
Dias viraram meses, semestres e depois deixei de contar. Havia algo errado. Eu não me importava mais em interagir com as demais pessoas ao meu redor. Eu até mesmo comprometi minha carreira profissional e o convívio com meus familiares e amigos se tornou inexistente. Não importava mais se iria repassar a informação adiante. Não importava mais a ideia original do livro. Não me importava nem mesmo se o livro iria ser publicado. Me importava o saber e nada mais. A verdade por trás da verdade que existe por trás da verdade. E o que estava além disto. E o além do além. Eu não tinha sequer vontade de fazer outra coisa. Dormir? Comer? Eu precisava descobrir mais! Não me conformava com menos exceto a onisciência! Comia qualquer coisa, durmo quando podia. Eu estava embriagado com o conhecimento. E queria beber até passar mal.
Quando me dei conta, havia despertado na UTI do hospital. Sabe porque estou usando termos tão vagos durante esta gravação? Algo que eu vi foi além da minha capacidade de absorção. Uma amnésia sistematizada causada por algo que eu não deveria ter visto. Não me recordo mais dos eventos, palavras ou imagens usadas durante este tempo. Apenas a tensão, o estresse e a espiral em rumo a auto-destruição. Mas confesso que fico curioso...