Você alguma vez viu o céu cair?

Alguma vez, seus olhos escuros a sombra, se tornaram castanhos no sol? Desta forma, você já viu o céu azul, cair em labaredas rubras?

De alguma forma, eu me vi cair do céu. Minhas asas queimavam, como colocar a mão em uma fogueira de junho, como o rosto perto demais da fogueira de São João, mas mesmo assim, trazia curiosidade para que pudéssemos pula-la.

Caí, em direção ao chão, de um antigo lugar, de uma antiga memória, mas o toque no chão foi suave como pluma no milharal, sem fogo, sem fagulhas, sem carne em brasa, sem dor, apenas, medo.

Me encontrei, com a calça verde, o tênis preto, a camisa preta e o cabelo meio grande, o relógio no pulso marcava 14 horas em ponto, o celular, sem sinal, nada existia, só me apontavam as horas, pois, o passado era cruel de não possuir futuro. Vendo os diversos painéis azuis, os pilares recém pintados, as grades que separavam os grandes dos pequenos, percebi, em que parte do passado eu fui lançado. Uma pintura que eu poderia tocar, tinta fresca por todo o lado, memória fresca, o museu do meu mundo.

Primeiro, me procurei, eu devo existir, eu devo estar vivo, eu devo estar, ainda inteiro, e, naquele momento, subi a rampa, olhei a cantina, desci até o pátio. Foi quase um estrondo em mim mesmo, pois, eu sabia que era eu, mas eu não sabia que seria eu mesmo. Quando me olhei, estranhei, pois, meus olhos eram castanhos ainda, cabelo farto, contraído contra a parede, comendo na lancheira, mas, não sozinho.

O que eu vi, me veio a vontade de vomitar, pois a pressão que se fazia no meu peito, apenas queria ser lançada para fora como se estivesse afogando no oceano, querendo com as mãos, ar de volta nos pulmões. Os olhos lacrimejavam, mas eu me olhei. Coloquei a mão no ombro e sorri, estranhamente, recebi um sorriso de volta, mas palavras não poderiam ser proferidas.

Sempre soube, que estava perdido em meio de meus fragmentos, pois, o céu nunca foi roxo. Enquanto pedaços caíam, eu me olhava, me contava, me sorria, nos entendíamos, nos conciliávamos. Olho no olho, o filme da vida passava diante do meu passado, que surpreso, negava. Ele sabia agora o que estava por vir e o porquê deu ser eu mesmo. Contudo, eu sabia. Também sabia o que viria, o que tornaria, as escolhas e as consequências. Contei segredos, contei coisas que só eu sei, disse o que fiz e o que faria, me criei. Mas nada mudou, pois, mesmo que eu diga para mim mesmo, o futuro se tornará presente, e tudo acontecerá como deve ser.

Mas, ao ver minhas memórias, meu céu caiu, pois chegaria no hoje, na penumbra que assola todo esse mausoléu, dentre todos os caixões na minha alma, nunca poderia mudar o passado, nem me aproveitar do futuro, mas fazer o presente, pagar.

Uma hora, sentados naquela sacada daquele certo lugar, nos abraçamos, olhando o mundo desabar, como minha mente, o céu corroía, gritava em púrpura e o sol, novamente negro, engolia aquela infelicidade, eu pude olhar, sentir e sorrir, tudo aquilo eu mereço, egoísta suficiente para dizer que tudo é meu, mas que, nem mesmo consegui me colocar nas mãos, quiçá o mundo inteiro. Peguei meu telefone, entre olhos castanhos, meus e meus, sorrimos numa última despedida.

Afobado, suado e na madrugada deste ano, acordei. Procurei meu telefone e caminhei entre memórias, vividamente e desesperado, achei a foto, eu sorria, mas, estava sozinho, não havia passado para me consolar, apenas o presente para ser dolorido, me perguntei quando jovem, a um certo alguém em um certo lugar, se já havia visto alguma vez o céu cair, mas só pude responder hoje, quando minhas paredes do coração, encontram em ruína.

É o preço pago, de você, por ser você mesmo. Ter as paredes quebradas, na sua caixa que só cabe a si próprio, mas não é algo a se temer, mas a se questionar, quando, como e onde, você se permitiu cair do próprio coração.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 29/08/2020
Reeditado em 29/08/2020
Código do texto: T7049795
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.