261 - O Presente
Era ainda uma mulher nova quando ele morreu. Andou como sonâmbula muitos dias. Depois não acreditava que nunca mais o veria e saiu da depressão para uma realidade pesada. Retomou as aulas depois de muito tempo e quando trabalhava, esquecia as mágoas porque os seus alunos precisam dela disponível, cordial, atenta e interventiva. Ainda assim vestia um luto fechado e chorava nos intervalos das lições. Quando faltaram as regras atribuiu ao traumatismo, quando os seios intumesceram e ficaram doridos consultou, a contragosto, o médico que agora lhe dizia: - Parabéns, a senhora está grávida. E ele repetiu para ela perceber. Chegou exausta, levantou os estores e deixou, pela primeira vez em muitos dias, a luz entrar em casa. A seguir despiu o vestido negro, descalçou-se e foi nua para o espelho. Sentiu os seios pesados, as olheiras mais fundas, o ventre estranho, a postura geral diferente. Depois fez soar a música predilecta e dançou sozinha como se o fizesse com ele. – Voltaste, voltaste! Tenho-te agora comigo, repetia. Ria e chorava, alisava o ventre, escolhia do que tinha roupa alegre. Dormiu muito e, quando chegou à sua sala vestia cores exuberantes e tinha-se maquilhado com esmero. Ria muito e estava ansiosa por contar. Todos mantiveram os olhos nela sem perceber a mudança e a professora, pedindo desculpa pelo atraso, disse: soube que vou ser mãe. O bebé que espero quando me achava também morta, foi o presente que o meu amado me deixou.