260 - A Corista
Saía pela porta lateral do teatro, descia os três degraus da escada e corria até chegar ao Café da esquina, aberto sempre para que os noctívagos matassem a fome ou a sede. Pelo caminho ia retirando a seco ou a cuspe a pintura dos olhos, o carmim exagerado da boca, os laços ou os enfeites do cabelo. Guardava tudo na sacola que trazia a tiracolo e, quando por fim entrava, era só uma mulher vulgar como as demais. Todos os dias ele estava ali numa mesa de canto, à sua espera. Comiam uma refeição ligeira. Gostava de o ver comer, lamber os dedos, limpar-se às costas da mão. A seguir saiam, rodavam pela Avenida até que, exausta, ela se despedia depois de lhe meter uma nota no bolso da camisa. Vez por outra ficavam juntos numa pensão barata. Era tudo o que ele lhe dava e, apesar dos conselhos dos amigos, Carocha tinha naquele homem o seu ópio, sonhava com uma vida a dois, com ele num qualquer emprego e ela a cozinhar e a lavar ou tratar dos filhos. Estava cansada de dançar o mesmo ritmo, de mostrar pernas e seios, de rir sem vontade naquele mundo a fingir que começava às 21 horas e terminava quando saiam todos e o Inácio apagava as luzes e levava dois dedos à testa para a saudar quando se atrasava. Hoje ele não estava! Entrou, pediu a comida que deixou arrefecer sem que ele chegasse. Olhou para o relógio. Era muito tarde quando lhe pediram que saísse. Desanimada, seguiu o caminho de sempre na esperança de o encontrar. Viu-o, por fim, rindo alto, feliz com a nova companhia. Amanhecia em Lisboa.