Afrânio

Foi despejado em sua boca de uma só vez.

Sentiu a ardência atravessando sua garganta e a queimação da boca do estomago, mais lhe incomodava.

Partiu para casa decidido...estava chegando a hora.

No caminho encontrou um vizinho...conversaram um pouco sobre assuntos banais, nada que o interessava...seu foco era outro.

Disposto a cumprir o que havia decidido, pegou a garrafa de cachaça envelhecida em barril de carvalho por doze anos e mais um gole...enquanto se despia, outro gole dado...seu estomago doía mais que o de costume.

Nu agora, em frente ao espelho mal podia lhe reconhecer. O tempo e o vício fizeram estragos com a imagem que refletia.

Quando jovem possuía um corpo atlético, braços torneados, agora a imagem daquela enorme barriga o constrangia.

Por onde andavam seus cabelos? Estes da cabeça sumiram e os poucos que ainda restaram estavam junto ao seu corpo envelhecendo... brancos, com aspecto amarelado.

Sua barba antes bem feita, agora estava imunda...amarelada pelo cigarro e mal cheirosa.

Seu rosto nunca foi belo, mas o tempo para piorar, gravou marcas profundas em sua face...chega!...Foi demais para sua visão ver tamanha transformação.

Abriu a janela de seu terraço e olhou para baixo. Eram 13 andares de distância até a rua. Lá observava muitos pedestres caminhando, cada um em seu mundinho, envolto em seus pensamentos e sem esperar os acontecimentos que estavam para serem realizados a poucos momentos.

Mais um gole pra dentro e a coragem aumentando... e como de um salto lançou ao desconhecido. Naquele instante o tempo passou devagar. Pode enxergar todas as suas frustrações que aquilo lhe causara e a pior foi a perca de si mesmo.

Os andares iam de forma decrescente, no 10º andar sentiu um arrependimento... "Por que estou fazendo isso?", mas não podia voltar mais atrás e decidiu encarar o destino que construiu.

A cada instante via a proximidade do chão... e o arrependimento que o atormentava no 10º andar, se transformou em esperança no 3º.

Cada vez mais próximo, resolveu encarar de frente tudo aquilo que tinha determinado e até alcançar o chão, de olho aberto estava.

Fim...

Pessoas que passaram pela rua se assustaram com aquela imagem ao chão, muitas em choque ficaram... Todos procuravam uma explicação, o por que daquilo?

Mas Afrânio, agora aliviado estava... Sentiu-se leve como nunca antes e tinha certeza que tinha tomado a decisão certa.

Do 13º andar Afrânio observava lá em baixo o litro da cachaça despedaçado ao chão e próximo dele sua camisa de força, que o tinha o aprisionado por muito tempo. Um terno azul Oxford, uma gravata preta italiana e seus sapatos que mal sabia a marca.

Se dirigiu ao banheiro, aquela barba imunda tirou, colocou um short e tênis e foi em busca de sua nova vida... Matriculou-se em uma academia, logo teve a oportunidade de trabalhar em Ilhéus no seu próprio negócio, um carrinho de coco. Seu escritório agora era a praia e seus negócios foram prosperando. Hoje, Afrânio e dono de uma maiores redes de distribuição de coco da Bahia, não bebe, não fuma, emagreceu 32 kg., participa de corridas de 10 km e leva uma vida muito diferente a que estava acostumado.

Charles Alexandre
Enviado por Charles Alexandre em 21/08/2020
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