Para que os eufemismos?

O barulho da ventania ecoava pela casa; as janelas tremulavam promovendo um sentimento de maior temor; os galhos das árvores da vizinhança sacudiam-se, os sons ecoavam em sua mente. As roupas olvidadas no varal encharcaram-se e os animais domésticos se aquietaram. Sentia que sua vida seria abreviada, temia. Temia por muitas coisas. Outro som chamara sua atenção: sua filha cantava uma pequena música já deitada em sua própria cama. A pequena expressava num ritmo aconchegante a sua fé, a mesma apreendida com seus pais e avós. As janelas pareciam que não seriam contidas por aqueles pequenos ferrolhos. Temia. Temia para além do som da chuva, do trovão, e as luzes dos relâmpagos que adentravam as fendas de algumas partes da casa. Seria ilusão ou de fato seu coração estava em batimentos descompassados? Sentia o mesmo há muitos dias. Seriam provocados meramente pelo terror do isolamento forçado; teriam as circunstâncias sociais e pandêmicas provocado tal temor, ou os conflitos pessoais, sobretudo os financeiros, que a intimidavam? Um carro ao longe tinha seu alarme acionado e a fez lembrar que também temia a invasão de criminosos. Lembrava-se das despesas e promissórias, da feira, e das roupas e chinelos para as crianças. Sua conta bancária não conseguiria arcar com todas as cobranças. Vagava em pensamentos quando fora arrebatada pelos sons de passos na casa: seus filhos mudavam de cômodo também temerosos e em busca de abrigo. Ela era-lhes o abrigo. Abençoou-os e beijou-os. Não poderia morrer. Não posso morrer! Pensou abraçando cada criança. Para que usar eufemismos nessa hora? Deixe-os para as criancinhas, mas quisera não precisar usá-los. Por um instante tudo se fez silêncio. Nem os galhos, nem as janelas, nem os sons infantis, nem o som do alarme do carro. Seu coração bailou um rock, uma valsa e descansou.