Esperança

Jean se sentou à mesa e empurrou uma pequena caixa na direção de Wilson.

Wilson abriu a caixa percebeu que havia um anel de compromisso lá dentro.

- O que é isso? – Perguntou.

- Era pra Laura.

- Era?

- Sim.

- Desistiu de entregar?

- Eu ia entregar. Mas hoje ela me disse que resolveu voltar para o ex-marido.

- Sério?

- É.

- Mas ele não batia nela?

- Sim.

- E você não disse nada?

- O que eu poderia dizer meu amigo?

- Realmente.

- Bem. Não era pra ser então. Sinto muito.

Wilson fechou a caixa e a empurrou na direção Jean.

- Não quero isso. Fica pra você. – Jean falou, com as mãos tapando os olhos.

- Mas o que eu vou fazer com esse anel?

- Vender... Dar pra qualquer pessoa. Jogar na montanha da perdição. Qualquer coisa. Não quero mais essa merda perto de mim.

Wilson guardou a caixinha dentro do bolso da calça e encheu um copo de cerveja para o amigo.

- O que você vai fazer agora? – Perguntou, empurrando o copo na direção dele.

- O que você faria no meu lugar?

- Acho que beberia até cair.

- É a vontade que dá.

Jean tomou um gole da cerveja e exibiu um sorriso amarelo.

- Realmente eu não tenho sorte com essas coisas. – Continuou.

- Cara. Talvez não ficar com ela tenha sido um golpe de sorte. Deus escreve certo por linhas tortas.

- Não sabia que você era religioso.

- Não sou muito. Mas minha avó vivia repetindo isso pra mim, então deve ser verdade.

- Bem. Não foi a primeira vez que Laura mudou de ideia sobre querer estar comigo.

- Pois é, irmão. Cesteiro que faz um cesto faz um cento, basta ter cipó e tempo.

- Como é? – Jean perguntou, confuso com o que o amigo havia falado.

- É um ditado... Significa que quem apronta uma vez, apronta duas ou três vezes. Basta oportunidade.

- Estou entendendo... Mas eu gostava de pensar que ela estava mudada.

- Sei lá, cara. Talvez ela goste das pancadas.

- Não sei se é bem isso. Mas no fim das contas, não importam os motivos dela. Eu quero mesmo é que ela fique bem... bem longe de mim.

Wilson ergueu o copo de cerveja pra um brinde e encostou no copo de Jean.

- Que assim seja, meu irmão. Você merece coisa melhor.

Jean assentiu com a cabeça e bebeu calado.

Wilson se levantou da cadeira, pegou a caixa com o anel do bolso e deixou sobre a mesa.

- Não acho certo que eu fique com esse negócio. Faz assim. Guarda com você e entregue pra uma mulher que realmente mereça. Ou então dê qualquer destino que achar melhor.

- Tudo bem. – Jean falou, resignado.

- Preciso ir agora. Minha carona chegou. – Wilson disse, recolhendo a bolsa que estava encostada em uma cadeira.

- Certo. Deixa que eu acerto a conta, não vou embora agora.

- Valeu meu irmão. Fica bem.

Wilson se afastou e deixou Jean sozinho na mesa encarando a caixinha.

As horas e as cervejas fluíram e Jean deixou o bar trocando as pernas bem depois das três da madrugada. Não sabia exatamente para onde ir e por isso se pôs a andar sem destino.

Pensou em todas as coisas que havia dito a Laura, e, sobretudo nas coisas que não havia tido oportunidade de dizer. Pensou em tudo o que ela havia mudado de lugar em sua casa, e nas roupas dela que ainda estavam no armário. Nos rabiscos que ela tinha deixado em seus livros e nos sonhos e planos que ficariam agora pra sempre incompletos. Talvez jogasse as roupas e os livros no lixo e até mudasse de casa. Parecia uma boa ideia. Mas por fim, se perguntou se haveria algum bar aberto em algum lugar perto.

Jean andou até um posto de Gasolina na esquina de uma avenida, mas se deu conta que a loja de conveniência estava fechada. Resolveu então voltar pra casa e talvez terminar a noite em um boteco no estilo “pega bebo” que sabia sempre estar aberto, pelo menos enquanto não amanhecesse. Chamava-se Esperança.

Jean tomou o rumo de casa e quando estava atravessando uma ponte, percebeu uma mulher sentada no parapeito, com os pés virados para fora.

- Você tem um cigarro? – Ela perguntou ao vê-lo.

Jean tirou um maço do bolso da camisa e mostrou a ela.

- Posso pegar um emprestado? – Perguntou-lhe.

Jean se aproximou e entregou um cigarro e um isqueiro à moça e encostou-se à mureta da ponte.

Ela acendeu o cigarro e devolveu o isqueiro.

- Obrigada.

- Não foi nada.

A mulher tinha um paralelepípedo no colo, enrolado em uma corda que estava presa em seu pé direito. Jean intuiu logo a intenção dela.

- Posso sentar aqui com você um pouco? – Perguntou.

- Tudo bem. – Ela respondeu.

Jean acendeu um cigarro e se sentou bem ao lado dela. Olhou pra baixo e viu a água escura do rio correndo aceleradamente.

- Você vai tentar me convencer a não pular? – Ela perguntou sem olhar diretamente para ele.

- Não. Estava pensando em aproveitar a deixa e pular também. Só não vim tão bem equipado quanto você. – Jean falou apontando pra a pedra.

- É só pra garantir que eu não vá mudar de ideia quando estiver lá embaixo.

- Entendo.

- Tenho pensado nisso há muito tempo, estou decidida.

- Já eu, não tinha pensado de verdade, pelo menos não até agora.

- Sinto muito. Não queria ser uma influência nesse tipo de coisas. – Ela falou, olhando tristemente pra Jean.

Ela não aparentava ter mais de 25 anos. Seu olhos eram escuros e carregados por olheiras. E Jean achou que ela tinha o semblante mais triste que já havia visto em sua vida.

- Porque está aqui? – Jean perguntou.

- Estou bem cansada de ter que encarar as mesmas coisas, todos os dias.

- Consigo me identificar com isso.

- E você? O que te faz querer pular?

Jean meteu a mão no bolso da calça e tirou a caixinha com o anel de compromisso e mostrou pra a garota.

- O que é isso?

Ele então deixou a caixa na mão dela.

A garota abriu a caixinha e olhou fixamente para o anel.

- É lindo. De quem é?

- É uma história complicada. Mas em resumo, eu comprei pra a uma pessoa que não queria usá-lo.

- Sinto muito. Sinto muito mesmo.

- Tudo bem. Talvez tenha sido só uma linha torta na minha história. Não foi a primeira e acho que não será a última.

- Desistiu de pular? – Ela perguntou.

Jean olhou pra baixo e voltou-se novamente para a garota.

- Sinceramente. Eu acho que preferia deixar pra outra ocasião.

A garota riu e estendeu a caixinha de volta pra Jean.

Ele escondeu as mãos nos bolsos da calça e falou.

- Não quero mais.

- Certeza?

- Sim.

A garota deixou a caixinha sobre o parapeito, bem ao seu lado e voltou a olhar para o fundo do rio.

Jean desceu da mureta e deu um suspiro aliviado.

- Você não quer tomar uma cerveja comigo? – Perguntou.

A moça se virou pra ele e perguntou com um olhar curioso e surpreso.

- Agora?

- É. E ai eu posso te contar a história toda... mas claro... se você não tiver nenhum outro compromisso.

A garota respirou fundo e se virou de costas pra Jean.

- Obrigada. Mas eu estou decidida. Melhor você ir logo.

Jean hesitou a princípio, mas então pegou a caixinha com o anel, jogou no rio e retomou o seu caminho. No fim, se ela quisesse pular, não tinha nada que ele pudesse fazer. E sequer sabia nadar. Parou no final da ponte para atravessar a avenida e foi quando ouviu o barulho de algo caindo dentro d’água.

Jean se virou, instintivamente e percebeu a garota andando em sua direção... E ele viu que ela já não tinha mais a pedra consigo.

Ela se aproximou e falou, com um sorriso no rosto.

- A cerveja ainda está de pé?

- Está sim.

- E tem algum bar aberto essa hora?

- Sim. Enquanto for noite, sempre haverá o Esperança. – Jean falou, apontando para o Bar, do outro lado da rua.

- Sério que esse é o nome do bar?

- Seríssimo.

- Parece bem apropriado. – Ela riu.

- E a propósito, meu nome é Jean – Falou. – Qual é o seu?

- Eduarda. – Ela disse com um sorriso que parecia iluminar o seu rosto.

Diferentemente do que ele tinha percebido à beira da ponte, os olhos dela não eram escuros, mas sim de um castanho quase amarelado.

Então os dois se sentaram no bar e Jean pediu uma cerveja.

Eduarda acendeu outro cigarro, deu um trago profundo e soltou um anel de fumaça perfeito em direção à lâmpada no meio do bar.

Seja qual fosse o peso que carregasse consigo, ela parecia tê-lo deixado afundar junto com a pedra no fundo do rio.

Enfim, talvez fosse real, que Deus escrevesse certo por linhas tortas.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 11/08/2020
Código do texto: T7032255
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