246 Gracinda
De longe era só uma jovem como outra qualquer. De mais perto era fácil sentir-lhe diferenças. Nem sempre era amável, nem sempre queria amizades, nunca cedia. Fechava-se num silêncio de pedra e ficava a ver desfilar as horas numa quietude estranha. Os olhos, pareciam enormes por trás dos vidros, as mãos sempre inquietas, a boca mínima. Reprovou nos exames. Sabia outras coisas, disse, antes de deixar os estudos e ficar naquele fim de mundo, paraíso perdido, onde o que havia de novo eram turistas, gente que olhava, fotografava e ia embora sem dizer adeus. Em casa não fazia nada. Desistiram de lhe pedir que colaborasse quando o assado ficou negro de queimado e os copos apareceram partidos, fendidos, lascados. Um dia fujo, avisou. Quando voltou trazia um barbudo magro, funcionário do Turismo. Poderia casar ou não. Casou. Nem festa nem comezaina. Entraram na casa nova e ficaram em núpcias um ror de tempo. Depois, nos intervalos de se olharem como se nada mais houvesse para ver, ele trabalhava e ela recolhia pequeníssimas pedras, seixos de variadas cores, que passou a pintar com reproduções exactas das ervas do campo, suas variantes, suas subtilezas. Viveu tanto este trabalho que passou a fazer dele o emprego que não conseguia. Assinava as pedrinhas, escrevia no verso o nome da terra e, eventualmente, a data. Tudo acabava vendido no Posto de Turismo depois de devidamente envernizado para proteger o trabalho. Pintar, confidenciou, é colorir o meu silêncio.