Lembranças

Hoje me peguei pensando na infância, nos doces tempos de fazenda. Quando era pequenino, mas ainda o mais velho de cinco netos do Seu Baldomero e da Dona Clarinha.
Ah! Lembranças que chegam sem pedir licença!
As aventuras, as expedições fantásticas pelo meio do mato, seguindo picadas feitas pelo vô e pelos peões para chegar ao descampado ao qual nomeamos Reino das Marias-Moles. Íamos Larissa, Ígor e eu e antes de sair, fazíamos o possível para enganar as duas menorzinhas, Letícia e Bruna, e escapulíamos para passar a manhã em aventuras.
Tínhamos ainda o clubinho secreto, que era apenas um capão de mato costeando a estrada, mas nele tínhamos cozinha, quarto e sala e as brincadeiras corriam soltas pela imaginação infantil.
Teve o corridão dos búfalos, lá perto do Reino das Marias-Moles, nós pulando a cerca e a Bruna que ficou para trás gritando: – Não vou passar por aí, tem aranhas!
Tinha a Bruna colocando uma calça vermelha na cabeça e saindo correndo dizendo: – Olhem meu cabelão!
Os mergulhos no tanque e na cachoeirinha, que eram gostosos mesmo no frio do inverno e a vó gritando da estrada – Venham embora, está tarde! – três ou quatro vezes e a gente fingindo não ouvir até que o vô, com sua voz retumbante gritava: – Venham embora! – E a gente subia correndo!
As saídas para o campo, para dar sal para o gado e contar a boiada, longos sábados montado em um cavalo com o vô dizendo: – Não aperte que a boiada espirra e vai para o mato!
As pescarias de lambari, no meio das sangas e a chegada em casa com uma sacolada de peixes que a vó prontamente limpava e fritava! Ah! As fritadas de lambari da vó, melhores não há!
E o que falar do franguinho na panela com polenta no fogão de lenha da cozinha com arroz e salada de repolho! Indescritível!
E o fogão de lenha? Ah! Sentar na cadeira em frente dele, sentindo seu calor! E brincar com aviões de papel nele, tocando fogo e os fazendo cair nas chamas do bocão!
Chegava a hora de dormir e isso significava que era a hora da historinha da vó, que calmamente se sentava ao nosso lado e contava uma infinidade de historinhas que ela guardava na cabeça: Branca de Neve (a versão original, não da Disney), Naraca e Amira, Santa Genoveva, Mani Oca, O Mico Sem-Vergonha e tantas outras. Muitas vezes, a vó estava cansada e acabava cochilando no meio da história e acabava falando algo que não tinha relação e a gente sempre corrigia. Enquanto isso, o vô no quarto gritava: – Deixem a vó dormir! – Mas ela continuava a historinha até terminar e a gente dormir.
Ah! Lembranças que chegam sem pedir licença!
Falando em histórias, o vô também tinha as suas! Os três cavalos encantados era a melhor das melhores e claro, tinha também as safadezas do Pedro Malazartes.
Aprendi a dirigir com o vô por professor, com uma caminhonete D10 e uma Belina, nas estradas empoeiradas da fazenda. Quantas idas e vindas das fazendas vizinhas, principalmente na fazenda do afilhado Luizinho.
O dia de vacina da boiada era uma festa só. Meu pai ia para vacinar o gado, toda a boiada e lá se ia um sábado inteiro, com direito à churrasco e bago de boi ensopado que só a vó sabia fazer.
Bolo de fubá, pipoca de polvilho e bife de fígado!
Doce de leite, sonho de goiabada e pastelzinho!
Ah! Lembranças que chegam sem pedir licença!
A alegria maior era quando um eucalipto era derrubado e eu podia brincar nele durante dias de Tarzan ou de casinha com irmão e primas.
Ir para a horta escondido e comer direto da terra as cenouras e rabanetes que a vó plantava.
A tia Margareth com medo de aranha e gritando quando uma casca velha de armadeira caía no chão detrás do armário.
O Ígor caindo e esfolando a cara no chiqueiro e indo parar no esterco enquanto fugíamos das vacas em mais um corridão que levávamos delas.
As saídas para buscar água sulforosa de caminhonete que acabam por se tornar aventuras na selva e goles daquela água milagrosa que tinha gosto e cheiro esquisito.
As maravilhosas idas em família até o barreirinho, balneário da fazenda para um piquenique e as sapecadas em família no meio do pinhalzinho!
Eu, querendo ser cowboy, metido a montar em carneiros e o vô dizendo: – Você é bom! Vamos abrir a porteira então! – e zás, abriu a porteira e a carneirada saiu correndo e pulando e eu em cima de um. Na segunda corcoveada parei de cara na lama e o vô riu demais. Eu saí chorando para a vó.
Os cavalos, Branquinho, Gateado, Pampinha, Baguá Filho (Lebuno), Baguá Pai, Moura, Baia, Tordilha. Meu cavalo Coronel, nascido no dia do soldado, treinado desde pequeno na base do açúcar e assovio. Tão bem treinado foi que eu apenas assoviava no campo e ele parava, me olhava e esperava eu chegar perto. Minha égua Trovoada, que sem necessidade de treinamento marchava toda pomposa sem igual neste mundo. O potrinho Cigano, que quando nasceu dei ao Ígor de presente. A pitiça Charmosa que mais parecia um pônei, o Shane e o Pampa caolho.
Tinha a vaca amarela, chamada Chifronesia, que me odiava sem motivo e me perseguia sem motivos. A vaca mocha branca que fazia o mesmo. O búfalo louco que não podia ver o vô que o atacava mesmo ele estando montado no cavalo.
O incêndio na casa de pedra que começou no forno de pão do lado de fora e acabou com o telhado e teve vários homens baldeando água para apagar as chamas.
Acordar de madrugada com o vô para tirar leite e fazer queijo. O toddy mais saboroso, preparado na hora com leite saído das tetas, quentinho que só.
O vô colocando Tordilho Negro para tocar no toca-fitas da caminhonete e tirando a madrinha Fátima para dançar! Que belo par eles faziam, rodando e girando ao som da voz de Teixeirinha!
Quando meus amigos e eu chegávamos para acampar, o vô sempre nos recebia gritando: – Ê indiarada!
As enchentes do rio Barrinha, passar de balsa com os bombeiros (Calhando de ser o pai da Franciele que nos atravessava).

Tempo bom o tempo da infância, das aventuras, das fantasias!

Ah! Lembranças que chegam sem pedir licença e ficam na memória e na saudade!
Fernando Barreto
Enviado por Fernando Barreto em 07/08/2020
Código do texto: T7029046
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.