238 - A Idade Madura
Foi uma mulher muito caprichosa. Obra saída de suas mãos trazia na perfeição, no empenho, no gosto de fazer, a sua marca pessoal. Era admirada por estes dotes e também pela afabilidade e simpatia. Acontece que, esperando o amor da sua vida, acabou solteira e sozinha. O último que se interessou por ela, homem maduro, bem instalado na vida, não cumpria a sua exigência. Ela precisava de sentir emoção e aquele pretendente deixava-lhe indiferente o coração. Nunca desistiu e ainda espera embora sinta que virá demasiado tarde. Fez carreira, subiu na profissão, aposentou-se. Agora daria mais atenção ao corpo e à roupa, teria mais disponibilidade para sair, aprenderia o que fosse preciso para se actualizar. O pior era a dor fina nos joelhos, o grito permanente do polegar esquerdo, a visão a mudar. Ainda preferia mostrar os olhos, amêndoas negras, a ver bem. Mais um ano e penso nisso, disse para si mesma alinhando os cabelos da franja, limpando os excessos de creme junto à orelha ainda sem o brinco. E, depois de verificar se todas as luzes ficavam apagadas, se o gato tinha ração e água, saiu. Voltou por ter esquecido os óculos. Chegou cansada. Olhou-se uma última vez ao espelho e comentou: -merda! Voltei a borrar os dentes com batom.