DOMÍNIO PÚBLICO

O poeta estava andando numa rua lá do centro de Goiânia. Tinha ido comprar uma coletânea de poemas do Manuel Bandeira ou ver se achava alguma coisa da Hilda Hilst. Talvez ali na rua 4...

Quando de um nada surgiu-lhe na cabeça um poema. Um poema que considerou inteligente e denso de uma cáustica verve humorística. Mas estava desprevenido! Não costumava andar preparado para este tipo de urgência e ocasião. Seu celular mal servia para digitar números. Além do mais, estava descarregado. Mas achou a ideia muito boa. Tinha que ser escrita antes de virar vapor. De se despoetizar no ar.

Então parou na primeira lanchonete que encontrou. Sem graça pediu uma esfiha e um suco de laranja sem açúcar. Pediu-lhes emprestada uma caneta. Lhe deram uma terrível Bic vermelha. Indigna para ser ferramenta poética. O tipo de coisa que ele achava repugnante. Então escreveu no guardanapo o poema que veio do nada...

Chegando em casa... Nada do guardanapo! Sumiu! Talvez tenha caído no ônibus, quando pegou o Sit-Pass. E desde então nunca mais lhe retornou aquela ideia. Se não tivesse escrito, talvez ainda lembrasse. Mas não, a sensação de segurança lasseou-lhe a memória.

(...)

Aproximadamente dois anos depois, estava num boteco da rua 1008, no Setor Pedro Ludovico, bebendo Antártica, comendo torresmos e conversando com amigos da época da faculdade, que fazia muito não encontrava. Conversando fiado, relembranco, falando potocas e contando piadas.

Foi quando o Cleudio contou uma história, supostamente envolvendo não sabia mais quem. Pronto! Deu um estalo na cabeça do poeta. Era quase exato o poema do guardanapo que tinha perdido fazia quase dois anos. Sem tirar nem por. Ainda que em prosa. Só podia ser ele! Só que ele foi contado não como poema, sim como piada...

Talvez por esse motivo o poeta deixou por isso mesmo, valeu muito mais a leitura dele que se tornara pública e prosáica do que o maldito poema. Além do mais, depois de tanto torresmos e cerveja, reivindicar autoria de uma piada seria motivo suficiente para virar outra piada. Então bebeu até perder a consciência, para até no outro dia não se lembrar mais da sua "piada" que tinha ouvido na véspera. Mesmo assim ligou para o Cleudio:

_ Conta aquela piada de novo?

_ Que piada?