235 O Homem
Um dia achou que nem ele se entendia. Muitas das ideias que apareciam como aves num azul que não há, eram estranhas. Vinham, pousavam-lhe nos dedos, diziam por metáforas ou, muitas vezes, eram só densidades que o tornavam ao olhar dos homens uma raridade. Outras eram mais amenas e claras e algumas, cristalinas como se fossem gotas de pureza que ninguém saberia como chegaram ali tão ingénuas, espécie de virgens velhas, eternas meninas a enrugar-se sem ter amadurecido, sem ao menos ter compreendido que não era só um Maio perdido mas todos os demais meses que integraram a vida. Era um homem fora de série. O mundo era um todo onde os seres vivos, sem excepção, poderiam ser abordados. Ele falava com os que via sem esperar outra resposta além da que inventava para se responder. Ainda o quiseram louco mas havia luz em tudo o que disse. Estranho é verdade que era. Ar perdido, barba crescida, corpo magro. Gostava de empilhar pedras em equilíbrios de assombro e nenhum dos comprimidos que tomasse saia da embalagem sem ser para rolar até onde a mão ossuda o travasse. Em criança tinha, como os demais, um arco e um gancho mas ficava nisso a semelhança. O que seriam palavras vulgares, dizia-as como bailarinas e elas, escritas, traziam música, leveza, claridade às emoções. Uma vez mostrou-lhe um escrito e ela riu-se. Ria-se como alternativa ao choro que lhe pediam aquelas frases.