234 Descuido
Último de muitos filhos, Olímpio esteve para não existir. - Achei que estava livre para sempre e descuidámo-nos, ouviu a mãe dizer à vizinha. Ele era fruto de um descuido, portanto e nada havia a fazer. As roupas dos irmãos, à vez, chegavam para ele usar e deixou de reparar nas camisas largas, nos calções folgados, nas peúgas que eram por norma de pares diferentes e, algumas vezes até de outra cor. – Calça mesmo essas que ninguém repara. Mas reparavam e ele tinha de se justificar. – Usa-se assim, dizia rindo da cara de espanto dos colegas. Além disso quero ser diferente. Para certinhos estão vocês à frente para serem interessantes ficam todos depois de mim, disse o meu pai. A verdade é que ele sabia que não tinha sido nem esperado nem, muito menos, desejado até que a mãe, sentando-o no colo lhe disse ser tudo verdade mas que, uma vez que ele nasceu, o passou a amar tanto que a vida dela seria uma tristeza sem ele. A partir daí o que ela mandasse ou pedisse fazia com empenho e vice-versa. Ela passou a trocar golas, punhos, mangas inteiras para que ninguém soubesse que era roupa usada, para que ninguém achasse à venda nem igual nem parecido. E Olímpio passou a ser feliz. Vestia mal mas gostava de se vestir assim, não tinha mas inventava, ria muito e tornara-se simpático para quase todos. Os que insistiam em ser desagradáveis ao primeiro sopapo ficavam calmos, macios como veludo e alguns seus melhores amigos.