CALÇÃO

CALÇÃO

O nome dele é Calção, assim alcunhado porque nunca foi visto usando calças. Nem calçando çapatos. É muito conhecido no Setor, e em geral as pessoas gostam dele e se apiedam da situação em que vive. Sempre simpático e educado, com seu sorriso banguela. Ele é um catador de coisas na rua e aos domingos trabalha como flanelinha na feira do Setor Pedro Ludovico em Goiânia. Os cobres que reúne são suficientes para manter a pinga e a pedra. Tinha um carrinho para catar papel, mas ele lhe foi furtado. Então arrumou, sabe-se lá onde e como, um daqueles carrinhos de supermerdado, dos pequenos, de dois andares. Especializou-se em coletar metais. Dando preferência ao alumínio e, recorrendo ao ilícito, ao cobre. Um dia um homem, ali da rua 1002, jogou na calçada um computador para lá de antigo e estragado.

Mas completo: CPU, cabos, monitor bundudo, mouse, estabilizador, uma impressora matricial e outros periféricos, tudo da era jurássica da informática. Da época em que a janela ainda era apenas uma pequena clarabóia por onde entra luz e vento. Isso bem na hora em que passou o Calção com seu carrinho. O homem ainda estava na calçada quando ele chegou:

_ O senhor jogou fora? Posso pegar?

_ Claro Calção! Você até faz um favor.

_ Então, obrigado!

_ Calção, você não vai vender isso para comprar pedra, vai?

_ Claro que não doutor. Desconjuro! Estou limpo, só uma pinguinha quando alguém me dá. Eu vou ficar com ele para mim. Sempre quis um computador e esse parece ter tudinho. É um computador, não é?

_ É sim. Mas não sei se vai funcionar. Talvez com algum conserto, quem sabe...

_ Então está demais de ótimo! Agora só falta pagar as contas de energia para eu poder assistir internet. Não é?

(...)

O homem levou-o para dentro de sua casa para que pudesse assistir internet pelo menos uma vez em sua vida.