Leoni

Leoni, um gato amarelo, felpudo e de rabo alongado, vivia confortavelmente na casa de seus donos. Possuía um cantinho só seu e ninguém o incomodava. Em um canto na sala da casa havia uma cadeira de balanço de madeira com uma almofada no assento e era esse o lugar preferido dele, que passava boa parte do dia ali dormindo, se espreguiçando, lambendo os pêlos ou observando o movimento da casa.

Certo dia Leoni levantou-se e depois de alimentar-se deu uma volta na casa e tudo estava muito quieto. Miou em alguns cantos, mas ninguém o respondeu. Depois ficou entediado e pulou sobre a cadeira de balanço para aproveitar melhor a calmaria.

Passado algum tempo ouviu os donos chegarem atravessando o portão cercado no lado de fora da casa. Espreguiçou-se e se sentou voltado para a porta. Entraram primeiro os pais, depois veio Isabel, a filha única. O felino gostava muito dela e cumprimentou-a com um discreto miau. Ela, ao contrário, atravessou a sala dizendo sem notá-lo: "Vamos Brenda, deixa eu lhe mostrar a casa!"; e sumiu. Atrás dela entrou uma garota com idade e aparência semelhantes à de Isabel. Leoni, com olhar austero e penetrante, encarou-a na alma e além. Tentou desdenhá-la, mas não conseguiu tirar os olhos da estranha que, deixando uma mala e uma bolsa no chão, veio em sua direção e disse: "Ah! Uma cadeira de balanço, como estou cansada!"; e foi sentando de modo que o gato teve de saltar para não ser esmagado. O olhar dele ficou ainda mais fechado, mas virou a cara, levantou o rabo e se retirou.

Depois desse episódio ele passou quase o resto do dia no seu cantinho e só saiu quando a noite chegou para alimentar-se. Em seguida foi até a sala e deparou-se com todos da família conversando com a garota nova que estava sentada novamente em sua cadeira de balanço. Leoni se sentiu um pouco deslocado, passou se esfregando entre as pernas de Isabel e retirou-se.

No dia seguinte levantou-se cedo para reivindicar o seu lugar na cadeira de balanço. Ficou tão feliz de reavê-la que adormeceu. Pouco tempo depois ele quase morreu de susto quando Brenda surgiu do nada e o enxotou dali falando com rispidez "xô gato!"; e sentando-se em seguida. Isabel veio junto e nada fez, mas ficaram as duas conversando e dando gargalhadas. Do chão Leoni ficou um tempo sentado, grunhindo, balançando seu rabo lentamente para os lados, olhando para elas pensativo, e depois retirou-se magoado. Não foi visto até a manhã do dia seguinte quando levantou-se mais tarde que o de costume. Na cozinha à beira do fogão viu Isabel e foi cumprimentá-la. Quando entrou entre suas pernas a moça meteu-lhe uma colher em sua testa. Leoni saltou e correu assustado em zigue-zague parando a poucos metros dali, sentindo a dor aguda do golpe. Só depois, quando observou mais atentamente, ele percebeu que se tratava de Brenda e não de Isabel à beira do fogão. Depois desse dia tornou-se mais furtivo e cauteloso. Não havia dúvidas de que Brenda o tratava mal, mas os dias passavam e ela continuava na casa. Outro dia ela deu até um banho frio e inesperado em Leoni, que se tornava inevitavelmente mais zangado e mais arisco.

Com mais frequência ele passou a andar mais pelo jardim e ao redor da casa, observando as coisas do lado de fora. Descobriu um cantinho muito acolhedor no topo de um dos mourões que ficava ao lado do portão da rua, camuflado por algumas plantas que deixavam-no com sombra o tempo todo. Certo dia, quando Brenda voltava da escola, viu o gato ronronando entre as plantas em cima do mourão. Ela pegou um graveto e cutucou-o com força. Leoni abriu os olhos assustado e lá estava o grande rosto da menina olhando para ele e fazendo careta. Então ele, soltando bufadas, não conteve-se e sentiu algo muito selvagem surgir na ponta de seu rabo e passar pelo seu dorso, fazendo os pêlos de seu corpo se arrepiarem todo. Pulou no rosto dela e cravou nele suas garras soltando um uivo agudo e medonho. Ela o agarrou pelo couro e o jogou longe, depois saiu gritando e chorando.

Leoni saiu correndo e passou o resto do dia escondido. Nunca sentira nada parecido, e nem imaginava que poderia se comportar assim, porque sempre fora um gato muito dócil. Mas depois desse dia ele voltou a viver em paz e nunca mais fora incomodado por Brenda. Todas às vezes que a via os pêlos de seu corpo se arrepiavam e seus olhos vidravam na menina, que até mesmo se retirava da cadeira de balanços quando ele se aproximava.