Maré de Sorte
Escolheu os números.
Os dados seriam lançados outra vez. Estava em uma maré de sorte e não parecia que isso iria mudar. Enquanto balançava as mãos em um gesto habitual, lançou os pequenos dados em direção ao centro da mesa. Parecia uma eternidade o tempo que os objetos levaram para revelar o resultado, uma combinação de números somados que davam sete. O rapaz tinha sorte.
A plateia o observava atônito. Do silêncio espectral aos aplausos de entusiasmo. Novamente aquele jovem ridicularizava a mesa.
Eu estava apenas em um canto, sob uma luz fraca, olhando tudo e todos. O meu papel era diferente nesta noite. Meu jogo era outro, não havia probabilidades, incertezas ou qualquer pensamento hesitante. Em algum momento teria que revelar os meus motivos e lançar meus próprios dados.
O rapaz abraçou a cintura de uma mulher que estava ao seu lado. Ela segurava uma taça, bebericando um espumante qualquer e se apoiando em demasia nas bordas da mesa, quase que num rito para disfarçar sua leve embriaguez. Conhecera o rapaz naquela noite, ela também estava em uma maré de sorte.
Havia um garçom servindo a mesa. No decorrer da partida trabalhava de forma perfeita, servia os drinques e atendia aos pedidos. No entanto, era um entusiasta do jogo, disfarçadamente acompanhava o resultado daquela mesa. Sempre que os dados eram lançados, seus olhos brilhavam com um ar de satisfação. O entusiasmo da noite misturado com a alegria alcoólica aumentava as gorjetas. Hoje ele não parecia estar sem sorte.
A casa mantinha um controle rígido sobre todos seus funcionários. Suas vidas, contas bancárias e intimidade, tudo era vasculhado e revidado.
O chefe da aposta estava no seu local habitual, ele recolhia os dados a cada rodada e os entregava para os apostadores. Direcionava as fichas. . Apesar de vestir-se impecavelmente, aquela situação o estava perturbando, era perceptível um rubor em sua face a cada vitória do jovem sortudo. Algo estava fora do seu controle e parece que a sorte escolhe quem ela quer acompanhar. O chefe das apostas não parecia ter companhia alguma nesta noite.
E por falar em sorte...
Novamente o rapaz sacudia aquelas mãos, em seu rito mágico, lançara os dados e adivinhem? Um dado apresentava o número quatro e o outro o número três. Mais uma vez o jovem exibia seus dentes brancos, através de um sorriso capaz de contaminar a todos! Realmente ele estava com sorte...
Recebi um bilhete de uma garçonete. O bilhete vinha da Direção do Cassino.
Pensei que nada diferente haveria nesta noite, nenhuma surpresa, nada fora do normal. Coloquei o papel no bolso do meu paletó, sem precisar ler o conteúdo. E com a outra mão ajeitei meu coldre. Pedi ao garçonete um copo com Whisky. Depois fitei aquele jovem que estava numa maré de sorte e pensei: “Algumas vezes ter sorte é ruim!”