O Último do S. S. Tempestade

(Observações sobre o conto abaixo antes da leitura: Esse conto foi desenvolvido para um concurso que tinha como regra a criação de um conto relacionado ao tema "mar" e que possuísse menos de 50 linhas.)

O Último do S. S. Tempestade

- Dylan! Você precisa ir amigo, já estamos fechando. – Disse o garçom do bar, com quem criei intimidade com o passar das noites ultimamente, enquanto recolhia da mesa o pequeno copo de vidro ainda levemente borrado de rum no fundo.

- Ahn...? – Indaguei ao ser surpreendido enquanto me perdia em meus pensamentos, olhando vagamente para a mesa de bar à minha frente – Ah sim... Ok, Ok – Respondi ao ouvir do garçom as mesmas palavras embora não as tenha dado atenção anteriormente. Peguei minha jaqueta na cadeira ao meu lado, minhas chaves e a garrafa de rum sobre a mesa que ainda tinha alguns bons goles sobrando e me pus a passar pela porta de saída pondo-me de encontro às ruas vazias e escuras daquele bairro pobre e hostil.

A noite estava escura e calma. Acima de mim, a lua e as estrelas cintilavam e demonstravam todo seu esplendor no céu, iluminando as monótonas faces daquele planeta, dando um lugar especial ao Cruzeiro do Sul, as guardiãs da cruz, que um dia já me mostrou os caminhos por onde percorrer, mas que agora, é somente mais uma como tantas outras que iluminava as ruas pela qual passava, orientando um homem cujo coração se perdeu, para sempre. As ruas estavam desertas e do leste, soprava uma leve e fria brisa marítima trazendo no ar os aromas salgados do mar e as amargas lembranças que o acompanhavam.

Na escuridão das ruas desoladas daquele bairro, estava eu agasalhado em minha jaqueta de couro preta, usando calças jeans e tênis esfarrapados, com a barba e os cabelos grisalhos por fazer enquanto os mesmos se mexiam e esvoaçavam com a brisa vinda da minha frente, contra mim. Meus pés avançavam em passos instáveis e de forma inconstante entre tropeços pelas calçadas e ruas enquanto me apoiava nas paredes e postes à minha volta, minha visão embaralhava-se e ficava turva, com os goles de rum que me acompanhavam desde o bar, lembrando-me de tempos passados onde me encontrava entre meus companheiros à bordo de um navio cruzando os mares e oceanos, cortando as furiosas ondas que se lançavam em direção à proa, balançando e atirando o navio em diversas direções diferentes, trazendo na pele a furiosa devastação da natureza que somente os mais experientes, corajosos ou loucos dos marinheiros se disponham a encarar. O navio elevava-se e se atirava em queda contra as ondas gigantescas e as mais terríveis tempestades, verdadeiras guerrilhas mortais de Netuno, causando terror e devastação aos corações mais audazes dos marujos mais ignorantes.

Ainda caminhando em passos lentos contra a brisa que se lançava contra mim, transcorrendo pelas curvas e imperfeições do meu rosto de tez escura marcado por manchas solares, decorrendo pela ponta do meu nariz, descendo até minhas bochechas e remexendo meus cabelos brancos e grisalhos até se perderem atrás de mim enquanto pronunciava em meu ouvido sussurros do mar que me amaldiçoava com as visões e lembranças do meu passado, encontrei-me frente a frente com a praia e a imensidão de água além dela. Lá estava ele, de longe pude observa-lo refletindo o luar e roubando das estrelas seu brilho único enquanto avançava e recuava na areia da praia. Aquela imagem aterrorizava-me, sentia meu coração disparar, minha visão foi novamente ficando mais turva, todo meu corpo tremia ao presenciar novamente aquela devastação sobre-humana da natureza e num impulso, deixei cair da mão a garrafa vazia de rum que se despedaçou lançando no chão da calçada em que estava diversos cacos de vidro. Um sentimento de náusea, desconforto e medo me possuíram por dentro, tomando conta do meu ser. Tomando forma dentro de mim. Era o mar, que torturava-me dia após dia.

Era uma noite escura e tempestuosa em alto mar, a tempestade lançava sobre nós seus raios enquanto o mar, imbatível, se dispunha de ondas de metros de altura contra as paredes do navio incessantemente. O convés se inundava cada vez mais de água e em pouco tempo estaríamos perdidos, o capitão estava com os nervos à flor da pele, estávamos todos apavorados e não víamos à frente nenhum sinal de embarcações ou faróis que pudessem nos salvar do fim inevitável. Por fim, o mar travou uma guerra que não poderíamos ganhar. Largado à deriva, completamente desnorteado e sem chances de rever nenhum de meus companheiros com vida, fui deixado na praia à minha frente meses atrás, pelo mesmo mar que um dia tirou tudo de mim. Levando consigo para o fundo do oceano meus amigos, companheiros e colegas à bordo do S. S. Tempestade.

Luis Felipe G Silva
Enviado por Luis Felipe G Silva em 19/07/2020
Reeditado em 19/07/2020
Código do texto: T7010411
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.