Círculos Perfeitos

Luísa gostava de círculos perfeitos.

Tinha acabado de desenhar um no meu peito, com batom vermelho. Bem no espaço entre meus dois mamilos.

- Agora sim, está certinho. – Ela falou, com um sorriso.

- Não consigo ver direito. – Falei.

- Deixa eu acender a luz.

- Não vai. - Pedi, passando a mão nos cabelos dela. – Deixa assim como está.

Eu estava quebrado por dentro, assim como ela. E deixamos misturar nossos pedaços naquela noite. E pela primeira vez eu conseguia ver realmente quem ela era além dos sorrisos casuais.

Ela deitou a cabeça sobre o meu peito e exalou profundamente o ar que vinha prendendo nos pulmões.

- O que foi? – Perguntei.

- Sabe quando você tem saudade de casa e ao mesmo tempo está feliz por estar longe?

Não respondi imediatamente, pensando no tanto de vezes que eu já tinha passado por algo parecido.

- Estou me sentindo assim – Ela continuou. – Sinto falta de estar num lugar onde as coisas aconteçam de uma maneira mais familiar. Sinto falta do passo que minha vida tinha antigamente. E ao mesmo tempo eu estou feliz por tudo ter mudado. É uma coisa estranha, não é? Parece que não há uma maneira de estar realmente feliz. Eu sempre vou me ver querendo alguma coisa que não tenho, ou querendo estar onde não posso.

- Nada fica do mesmo jeito pra sempre.

- Eu sei.

- Mas eu entendo perfeitamente o que você fala sobre sentir saudade de casa. É uma sensação constante de deslocamento.

- É exatamente isso. – Ela falou, levantando a cabeça pra me olhar nos olhos.

Me estiquei para lhe dar um beijo nos lábios e falei.

- Tenho certeza que eventualmente você vai encontrar o seu caminho de casa.

- Não sei se eu quero voltar.

- Você não necessariamente precisa voltar para encontrar o seu canto.

Ela voltou a recostar a cabeça no meu peito e depois de um suspiro, começou a chorar.

Me sentei na cama e deixei que sua cabeça repousasse no meu colo.

- Minha menstruação está atrasada – Ela falou, entre lágrimas e soluços.

Fiquei calado por um tempo, com a mão nos cabelos dela, enquanto ela chorava.

- Há quanto tempo?

- Três semanas.

- Você fez algum exame?

- Comprei uns exames de farmácia. Mas não tive coragem de fazer.

- Amanhã podemos ver isso, se você quiser.

- Você não precisa se preocupar com isso. Você não tem obrigação nenhuma.

- Não é questão de obrigação.

- E é o que?

- Só quero te ajudar.

- Eu não quero ter filhos. Já é algo que eu tenho decidido.

- Tudo bem. O pai está sabendo?

- Eu quero mais é que ele se foda. Comentei com ele ontem, e o filho da puta se fingiu de desentendido.

- Sinto muito.

- Mas era de se esperar. Não foi o primeiro e nem será o último no mundo.

Não falei mais nada até que ela se acalmasse.

Luísa se sentou na cama e me abraçou.

- Nada a ver eu estar falando disso agora pra você.

- Você falou por que estava precisando. Só.

- Me desculpa.

- Não foi nada. Não precisa se desculpar.

Me levantei da cama e me encostei na janela.

- Preciso de uma cerveja. – Falei.

- Eu também – Ela disse.

Fui até a cozinha dela e trouxe duas latas.

Luísa estava no banheiro, se olhando no espelho, com as mãos na barriga.

Quando me aproximei, ela se virou para mim e perguntou.

- Você acha que eu ficaria bonita grávida?

- Tenho certeza que sim.

- Não consigo me ver bonita com uma melancia na barriga e os pés inchados.

- Por que talvez você esteja se olhando com os olhos errados.

- Como assim?

- Com os olhos de quem não quer estar grávida.

- Sim. Deve ser.

Estendi a cerveja. Luísa abriu a lata, deu um gole e escorou a lata na pia.

- Vou fazer essa porcaria agora. – Falou.

Mexeu no armário e pegou três caixas. Três testes de gravidez de marcas diferentes.

- Mas não precisa ser com a primeira urina da manhã? – Perguntei.

- Tem teste que não precisa. Comprei esses três por isso.

- Certo.

- Agora preciso de privacidade. – Ela disse, com um sorriso sem graça no rosto.

Voltei ao quarto dela, me sentei na cama e tomei a minha cerveja calado.

Luísa saiu do banheiro correndo em alguns instantes.

- Pronto. Daqui a pouco você vai lá ver o resultado. – Falou.

- Certo.

Luísa se sentou ao meu lado na cama e me abraçou meio de lado.

- Você já sentiu tanto ódio por alguma pessoa a ponto de querer que ela morresse?

- De verdade não.

- Certeza?

- Sim. No máximo eu queria uma amnésia seletiva, pra esquecer certas coisas.

- Eu acho que não sou uma boa pessoa então.

- Por quê?

- Porque é exatamente isso que eu sinto. E ao mesmo tempo eu tenho raiva de mim mesma por ter sido tão idiota a ponto de acreditar em certas pessoas.

- Acredite em mim. Não vale a pena ter raiva de si mesma por isso. Andei muito tempo por esse caminho e não foi algo que me fez bem.

- Mas é foda... é difícil de aceitar.

- Sim... Você não precisa aceitar tudo o que aconteceu como algo normal. Mas simplesmente como algo que aconteceu. E que enfim... Certas coisas simplesmente acontecem.

- Isso é meio fatalista.

- Acho que é mais realista...

Luísa respirou pesadamente, e depois deu uma leve mordida no meu braço.

- Acho que já deu o tempo. – Falou.

Me levantei da cama e fui até o banheiro. Peguei os três exames e trouxe de volta comigo para o quarto.

Luísa estava sentada tapando os olhos com as mãos.

- Três negativos. – Falei.

Ela deu um gritinho e se levantou.

- Certeza?

- Certeza. – Respondi, mostrando os exames a ela.

- Puta merda, que alívio. – Ela gritou, abafando a boca com as mãos.

- Bem. Amanhã você pode fazer um exame de sangue pra ter certeza... Mas esses de farmácia são muito bons.

- Vou fazer isso.

Luísa começou a andar pelo quarto ansiosamente, depois sentou-se na escrivaninha e abriu o computador.

- O que você está fazendo? – perguntei.

Luísa abriu o site de uma empresa aérea e começou a ver datas.

- Vou pra casa. – Ela respondeu laconicamente.

Fiquei calado enquanto ela mexia no computador.

- Só vou passar uns dias – Ela falou, quebrando o meu silêncio no meio.

Luísa deixou o computador de lado e sentou no meu colo, com as pernas ao redor de mim.

Beijei-lhe os seios e ela deixou a cabeça cair pra trás, entre risos e suspiros.

Naquele momento percebi quão perfeitas eram as auréolas ao redor dos seus mamilos.

Perfeitos círculos na pele.

Enfim, nós dois sorríamos.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 16/07/2020
Código do texto: T7007217
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