Seu vitório
Seu Vitório
Seu Vitório, um velho tão gordo e feio, estava sempre sentado à frente do mercado municipal. As pernas da cadeira se entortavam pelo peso de suas banhas. Um velho daquele ainda pensava em mulher. Pesado daquele jeito. Nunca gostei de passar naquela rua.
– Oh, menino... Menino? Vem cá!
– Que foi, seu Vitório?
– Sua mãe tá lá?
– Acho que sim.
– Leva umas coisinhas pra ela. Aquela caixa ali. E não esquece, muito cuidado, entrega pelos fundos. Não deixe o marido ver!
Eu era obrigado a passar ali. Não tinha como ir ao armazém de seu Pompeu sem passar pelo velho. Quando chegava perto já me dava um aperto. O primeiro aperto era causado por seu Vitório. O segundo era a conta do armazém que já estava atrasada fazia tempo. Minha mãe continuava me mandando comprar fiado.
Odiava aquilo. Seu Pompeu me olhava e baixava as vistas. Imagino o que pensava. Eu fazia o pedido e ele trazia as coisas com uma má vontade danada. O caminho pra chegar lá era longo porque eu ia arrastando os pés de vergonha. E ainda tinha seu Vitório pra me perturbar.
Ele me dava uma merreca. “Isso é pra você. Uma merda que não dava pra comprar nada. Odiava o jeito ordinário dele. Cinco centavos já era cinco centavos naquela época. Comprava uma bala ou um chiclete. Eu recebia aquilo e tinha vontade de jogar na cara dele.
Lá ia eu com a caixa: batata, laranja, às vezes carne, entregar pra minha mãe. E tinha ainda de ter o cuidado do marido dela não ver. O meu padrasto era um tipo barato, superficial e metido a besta. Gordo também, mas fingia não ser. Murchava a barriga ou vestia roupas mais apertadas. Tinha algumas revistinhas que ganhara numa viagem e repetia o que lia na hora do jantar. Todos os dias a mesma chatice. Pegava meu prato e saía de perto. Não gostava daquelas conversas sem pé nem cabeça. Desde criança não gosto de gente sem graça.
Ficava pensando que horas minha mãe saía com seu Vitório, porque o meu padrasto passava o dia em casa lendo revistinhas, e ela lá fora labutando, mexendo nas coisas, lutando pra fazer a casa andar.
Quando eu chegava com a caixa, ela dava um sorriso, me chamava no quintal, perto do forno de barro. “Vem cá, menino, vem pegar um biscoitinho com café”. Lá no canto, já saindo quase pela cerca, encostava e perguntava. “O que ele disse?”. “Nada. Só deu a caixa”. “Mas teve algum gesto?”. Até hoje não entendi essa pergunta. Como ia saber o que ele falava com gestos? Pra mim, era só um velho ensebado que mandava uma caixa.
Aquilo não encaixava. Ela era até bonita, tinha carne, usava uns vestidos que destacavam suas pernas e deixavam a bunda estufada. Algumas vezes reparei. Quando andava, a bunda tremia. Era bom de ver. Nova ainda, toda cuidada. Seu Vitório me dava quase medo com aquela testa oleosa e as bochechas vermelhas. Credo! Na verdade, meu maior medo era o meu padrasto saber que eu participava daquilo. Nunca gostei dele, mas ele era grande e eu não achava certo.
Uma vez, passando perto da praça, seu Vitório me gritou de longe. Como não ouvi, veio se arrastando até me alcançar. Me deu um bilhete pra entregar a ela. Fez eu jurar que não leria. Entregaria escondido como de costume. Claro que li. Meu coração batia forte enquanto fazia isso. Também não achava certo ler assim as coisas dos outros. Era um bilhete de amor. Não podia deixar de ver. “Minha linda cotovia. Estou te esperando embaixo da ponte velha. Encontro você atrás das moitas de mamona. Estarei lá às quatro horas.”
Com essa carta, esse bilhete, nem sei que nome dou a isso, acho que grande parte da esperança que eu tinha no amor morreu. Fiquei imaginando um velho daquele, gordo e oleoso, esperando minha mãe atrás das mamoneiras. Depois que li, dobrei exatamente como estava. Entreguei pra ela como de costume perto do forno. Leu e depois me chamou de volta. Queria saber se eu tinha lido. Eu disse que não. Sabia que estava com vergonha. Jurei que não. No fim acreditou. Senti no seu olhar o alívio.
No dia seguinte, lá estava ela, toda cheirosa com uma trouxa de roupa na cabeça. O marido na sala lendo revistinhas, rindo diariamente das mesmas bobagens. Olhei pra ele e senti dó. Lendo revista e a mulher se perfumando para ir às mamoneiras. Gritou de lá da cozinha. “Carlinhos, o almoço tá pronto. Na hora que quiser comer, é só esquentar.” “Tá bom, meu amorzinho”. Comecei a rir. Ela me olhou e perguntou com os olhos o que era. Eu disse que não era nada. Só estava lembrando de uma coisa. Saiu pelos fundos e rumou em direção ao rio.
Quando voltei, já estava tarde, era noitinha. O cheiro delicioso do jantar ocupava a casa inteira. Minha mãe em casa cantando e com um sorriso celeste no rosto.
– Menino, onde você estava? Fiquei te procurando um tempão. Vai agora. Ainda dá tempo. Vai pagar seu Pompeu. E fala pra ele que me desculpe pela demora.