O COLONIZADOR

O COLONIZADOR

Como índio e espanhol, a primeira impressão foi de espanto, foi de retaguarda, como dois estranhos que parecem já saber o que o destino lhes reservaria. A princípio, palavras amigáveis eram trocadas, com um fundo de reserva e com uma hostilidade na quantidade mínima, mas presente em cada sílaba e em cada olhar. A convivência foi obrigatória, pois se estudava na mesma classe e como se não bastasse, por força da vil moeda, fomos obrigados a compartilhar do mesmo carro na chegada e na partida de mais um dia de aula na faculdade.

O dia a dia fazia com que, no lugar da primeira impressão hostil, fossem caindo algumas pétalas de rosas entre duas criaturas que resolveram se abrir e aceitar um ao outro como sendo humano e passível de defeitos. Minutos de conversas se transformavam em horas. E as horas, em semanas e meses. A amizade foi sendo cultivada milímetro a milímetro. Não percebíamos que qualquer palavra dita, nos trazia uma mais perto da outra. A cada letra ou a cada riso, a parceria, a união e a cumplicidade se instalava de uma maneira cada vez mais forte.

O primeiro ano de faculdade era um momento de adaptação e muito estudo. A parceria entre estas duas amigas já não se restringia somente no campus universitário. Se estendia pelas horas a fio, na minha casa, envolvidas com estudos regados a muita conversa e a muitas risadas. Os problemas de cada uma, eram compartilhados, discutidos e opinados, de forma que passassem a ser apaziguados por uma troca contínua. Achei a amizade verdadeira, pensava sempre.

Mas a vida não era somente estudo nem problemas. Existiam os passeios. A juventude estava regada de felicidade. Conhecíamos gente nova, mas continuávamos sempre unidas. Mas a felicidade poderia estar mais completa, faltava um amor para cada uma de nós.

Tínhamos as atitudes inerentes à nossa idade. Saíamos, nos divertíamos, mas tínhamos um olho vendo com maior atenção os rapazes mais bonitos que passavam ao nosso lado. Nem sempre quando se procura, acha. O relacionamento com garotos aconteceu em épocas diferentes para nós. Primeiro eu comecei a namorar. Integrei meu namorado naquela amizade, sempre preocupada para nunca deixa-la só. Não estava na minha índole trocar uma amizade tão bonita por simplesmente ficar só namorando. Sempre que podia, estava eu, meu namorado e ela. Não queria abandoná-la.

Estava na hora de que ela também tivesse um amor. Foi assim que quis o destino. Ela começou a namorar. Fui a primeira a saber e a primeira a ficar só. O namoro tomou conta da vida dela. Já não havia a amiga ao meu lado. Seu momento de vida somente lhe permitia namorar. Não mais existiam as confidências, não mais existia a companhia, nunca mais houve os estudos e risadas em nossa casa. A única coisa que lhe ocupava o pensamento era o namoro. A amiga sincera transformou-se numa quimera, numa lembrança longínqua de um momento que poderia ser vivido por toda a vida. Não passou de uma troca de companhia.

Como uma terra virgem desbravada em seus segredos e sentimentos, me senti como um índio diante de um colonizador. O colonizador chega, impõe suas regras, mata, rouba as riquezas e parte feliz. A minha riqueza de possuir uma grande amizade, foi junto para outras águas, em uma caravela, tal qual a garrafa que navega pelo mar com um bilhete dentro.

No bilhete estava escrito: “O colonizador me descobriu, mas achou que minha terra não era fértil. Depois de apagar a fogueira, partiu em sua caravela levando o ouro de uma amizade que eu, o índio, pensei ser sincera. Ainda guardo o espelho que ganhei de presente”.

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Alma Collins
Enviado por Alma Collins em 19/10/2007
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