INOCÊNCIA DE MARIQUINHA
Mariquinha, uma jovem senhora trabalhadora e responsável pelas lides do campo, todos os dias, exceto domingo, acordava as cinco da manhã, fazia seu café, alimentava os animais e seguia seu trabalho na roça até o entardecer. Sempre levava consigo sua marmita do almoço, afinal ela vivia só e não tinha tempo a perder. Necessitava viver a sua vida intensamente dentro de uma realidade que só a ela pertencia. Ao término de seu trabalho no campo seguia para a cachoeira a fim de banhar-se em suas refrescantes águas cristalinas.
Num final de tarde seguira para a cachoeira. Como era de costume aproximara-se da água, molhara seus pés a fim de conferir sua temperatura. Despiu-se e caminhando entre as pedras fora no outro lado para sentir o seu corpo sendo invadido pela linda queda d’agua caindo do penhasco desaguando num lindo lago cristalino. Ali ficara o tempo necessário para uma aprazível conexão com a natureza, seu ritual diário.
Ao findar de seu ritual, preparando-se para volta a casa, Mariquinha percebera um objeto que mais parecia uma pedra entre tantas ali existentes, porém ao aproximar-se notara ser um corpo estendido no chão, corpo de uma jovem mulher desconhecida a ela. Apavorada, saíra correndo gritando aos ventos esquecendo-se de colocar a sua roupa, só percebendo quando chegara a sua modesta casa. Após vestir-se seguira a casa do seu vizinho rogando ajuda, pois vendo aquele corpo inerte ao chão perdera seu controle emocional e racional. O vizinho não conseguia nada entender tamanha era seu nervosismo, o jeito foi acalmá-la com um copo de água para que ele pudesse ouvi-la e ajudá-la. Mais calma, Mariquinha relata em detalhes o que presenciara levando-o ao local para certificar-se de que não fora um equívoco. Seu vizinho sugere que ambos façam uma visita a delegacia, pois este é um caso de polícia e somente o delegado poderá resolver este mistério. Preocupada, porém decidida seguem a delegacia para relatar os fatos como também solicitar a retirada daquele corpo estranho de sua propriedade.
Após um breve relato, seu delegado aciona o IGP e ambos seguem até o local para as devidas averiguações e remoção do corpo. No dia seguinte inicia-se as diligências a fim de descobrir o responsável pelo assassinato. O acontecido causara a Mariquinha certo constrangimento perante seus vizinhos, pois algumas fofocas começaram a surgir a respeito de sua idoneidade. Alguns questionavam se não fora fruto de ciúmes, pois algumas semanas atrás alguém da redondeza percebera a Mariquinha grudada com um belo moço na domingueira, cidadão este, conhecido como o maior namorador daquela região. Um grupo de homens assíduos frequentadores do boteco Calazans, apostavam na inocência de Mariquinha, porém as lavadeiras criam piamente ser ela a responsável pelo assassinato, pois enxergavam nela uma ameaça para as donzelas como também as “bem casadas”. As irmãs cajazeiras, que eram sete no total, todas solteironas, frequentavam diariamente a casa paroquial assuntando o velho padre Chico a sua opinião acerca da inocência da Mariquinha, algumas chegando ao despautério de querer saber o teor de suas confissões. De tanta insistência, padre Chico sentiu-se obrigado a expulsá-las de sua casa não sem antes impor as irmãs uma semana de jejum e abstinência total, motivo para deixá-las em polvorosa saindo da igreja praguejando o coitado.
Após dois meses de investigação, seu delegado descobre que o corpo pertencia a uma jovem da cidade vizinha que viera visitar um parente naquele local e se envolvera num caso amoroso, sendo seu consorte um homem de meia idade casado que também estava visitando um familiar. O homem se enfeitiçara pela bela jovem prometendo um futuro que não poderia cumprir, porém a jovem também se apaixonara e ambos fizeram juras de amor sob uma frondosa figueira próximo da cachoeira. Neste local costumavam se encontrar aos domingos no horário da missa, pois sabiam que este era o dia que Mariquinha ficava em casa descansando.
Por muito tempo, esta fora a rotina do casal, até que um dia sua esposa chegando de surpresa na cidade descobre a farsa e passa a segui-los até que naquele sábado a jovem resolve ir na cachoeira banhar-se antes que Mariquinha terminasse seu trabalho, porém não percebera estar sendo seguida por um coração ferido. Ao despir-se percebe uma sombra em sua volta, mas já era tarde uma lâmina afiada invade seu coração apaixonado fazendo-o sangrar tombando seu belo corpo ao chão. A esposa ferida retira-se do local como se nada houvera acontecido retornando a sua cidade. Seu marido sem nada entender, com o coração ferido sai a vagar pela cidade a procura do assassino de sua bela amada.
Com a descoberta do assassino, melhor dizendo, da assassina, Mariquinha fora isentada de toda culpa, porém o falatório na comunidade não cessara. As bocas maliciosas das lavadeiras continuaram a fomentar comentários maldosos exigindo uma nova intervenção do velho padre Chico ameaçando-as de excomunhão. Devido o acontecido, Mariquinha resolvera arrendar suas terras ao vizinho pois percebera que chegara o momento de viver uma nova vida, porém o banho diário de cachoeira estava garantido.
Feliz com sua nova rotina, Mariquinha passara a receber todas as noites após seu banho de cachoeira, a visita do seu delegado para uma “prosa e outra”. Dizem as más línguas que ela mudara da água para o vinho, quer dizer, está bebendo mais vinho do que água em noites tórridas de amor com o seu delegado. A cena do corpo estendido no chão continua em sua memória e do delegado...
Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 30/06/20